Açoriano Oriental
“Não sei como é possível lutar sem ter armas”

Diogo Brilhante, de 24 anos, sofre de distrofia muscular de Duchenne e reivindica assistência para conseguir ter uma vida independente. Jovem contactou várias instituições de forma a ter apoios, mas respostas obtidas não são as que procura


“Não sei como é possível lutar sem ter armas”

Autor: Rafael Dutra

Num mundo que luta pela diversidade, equidade, inclusão social e pelos direitos à acessibilidade e mobilidade, há claras melhorias em alguns aspetos nestas áreas, mas também resultados ainda superficiais.

Há realmente vontade de melhorar a qualidade de vida de pessoas com algum tipo de deficiência ou incapacidade? Que medidas e apoios há para ajudar estas pessoas a viverem uma vida independente? São as questões que colocamos a um jovem com distrofia muscular de Duchenne.

Diogo Brilhante tem 24 anos, é natural da ilha de São Miguel e reside nos Arrifes. Estuda na Universidade dos Açores. É um jovem como todos os outros, mas tem a particularidade de sofrer de uma doença rara que não tem cura: a distrofia muscular de Duchenne.

Devido à sua doença degenerativa precisa de assistência diária e encontra-se numa cadeira de rodas. A assistência 24 horas por dia é o que mais precisa para ter uma vida independente. Mas, conforme explica Diogo Brilhante ao Açoriano Oriental, não tem conseguido os apoios necessários para conseguir este “meio para atingir os meus objetivos”.

“Acho que todos deviam lutar por isso, é uma necessidade para todos. Devia estar assegurado, caso nos aconteça alguma coisa, o direito a continuarmos a fazer a nossa vida”, refere o jovem açoriano, sustentando que “a vida independente não é um fim pelo qual eu luto, mas um meio pelo qual luto, para atingir os pretendidos fins”.

Diogo Brilhante foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne aos nove meses, através de uma biópsia muscular. Aos cinco anos começa a ter quedas com regularidade, a sentir dificuldade em subir escadas e a levantar-se do chão. Aos oito anos, por conta da doença deixou de andar, tendo de utilizar cadeira de rodas.

Foi esta doença e a vontade de procurar a cura que o fez gostar, desde criança, da área da biologia, e que o motivou a ingressar na Universidade dos Açores (UAc,), onde concluiu uma licenciatura em Biologia. Neste momento, está a tirar mestrado em Ciências Biomédicas na mesma universidade.

Pela necessidade de assistência teve de recorrer ao apoio familiar durante os primeiros dois anos da licenciatura, para ter acompanhamento na universidade. Só depois é que conseguiu encontrar uma pessoa que providenciasse essa assistência, e que o acompanha, agora, oito horas por dia, cinco dias por semana. No etanto, o pagamento da assistente só é assegurado através de um esforço coletivo do próprio Diogo Brilhante e dos seus familiares.

Na vida diária, encontra regularmente obstáculos, literais ou figurativos, mas realça que não desiste de “sempre arranjar soluções”.

São problemas que, para o jovem, vão desde o horário de táxis adaptados que só operam das 08h00 às 19h00, à existência de muitos estabelecimentos na ilha sem a devida acessibilidade. Embora admita que “melhorou um bocadinho” em Ponta Delgada, diz que necessita de fazer queixas no livro de reclamações. “Reclamo online para tomarem as devidas medidas”, argumenta.

Mesmo realizando este processo formal de queixa, “nem sempre tenho feedback positivo. Não querem mesmo fazer alterações”, declara Diogo Brilhante, acrescentando que alguns estabelecimentos dizem que “devo contar com o apoio dos clientes”, e outros que “devo chamar o funcionário”.

Já nas aulas, devido à constante avaria ou inacessibilidade dos elevadores para as salas de laboratórios, foi dispensado de muitas aulas.

“[O elevador] quase nunca funciona, e é perigoso andar nele, porque já é antigo e constantemente avaria. Uma vez até fiquei preso lá em cima”, recorda o jovem micaelense.
Por este motivo teve de fazer outros trabalhos, porque não tinha acesso aos “instrumentos e tecnologias” próprios dos laboratórios, que não podem ser movidos.

“Falta um ano de mestrado, estou mais para o fim. Mas há outras pessoas que podem querer estudar lá e que têm de ter as condições. As pessoas pensam ‘é para este tipo de pessoas’, mas é para todos”, afirma.

Pretende fazer doutoramento, para depois seguir a área de investigação e até de ensino. Mas, tendo em conta a falta de assistência 24 horas por dia, o que necessita para ser independente, pondera viver na Suécia, país onde tem mais oportunidades, mesmo até em termos de oferta profissional.

Porém, não desiste de procurar soluções, e já contactou várias entidades de forma a ter apoios e garantir essa mesma assistência. Mas, sem sucesso, ou pelo menos, sem os resultados que esperava.

Inclusive, diz que a sua mãe abordou o presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, Pedro Nascimento Cabral, “e a resposta dele foi uma pancadinha nas costas e: ‘continue lutando’. Não sei como é possível lutar sem ter armas”, aponta Diogo Brilhante.


Câmara diz que não foram formalizados pedidos
Segundo explicou fonte da Câmara Municipal de Ponta Delgada ao Açoriano Oriental, Diogo Brilhante só efetuou candidaturas de apoio à atribuição de bolsa de acesso ao ensino superior, no ano anterior e neste, e não formalizou qualquer pedido tendo em conta a necessidade de ter assistência pessoal. Dito isto, a câmara refere ainda que “não presta cuidados clínicos ou continuados ou pontuais, a pessoas portadoras de deficiência”. Contudo, diz que “presta auxílio financeiro a pessoas portadoras de deficiência que se enquadrem nos termos do Fundo Municipal de Ponta Delgada”.

A mesma fonte reforça ainda que Ponta Delgada é a única autarquia que dispõe de um balcão de inclusão, inaugurado em 2022, que providencia mediação especializada, e onde consta informações relativas aos projetos da câmara para apoio a pessoas com incapacidade ou deficiência.


Universidade tem “feito um esforço muito grande”
O vice-reitor para Estudantes, Bem-Estar e Comunicação Institucional da UAc, Adolfo Fialho, afirma em declarações ao Açoriano Oriental, que tem sido “feito um esforço muito grande, até muito acima da média e daquelas que são as nossas possibilidades”, no apoio a alunos com necessidades educativas especiais (NEE), como Diogo Brilhante.

Adolfo Fialho confessa que os próprios edifícios e os elevadores “são antigos”, inclusive os de acesso aos laboratórios da Faculdade de Ciências e Tecnológicas, e por isso, quando avariados dependem de peças que vêm de fora.

“Continuamos empenhados em prestar aquelas que são as melhores condições. Nem sempre é possível o cenário ideal, e às vezes há questões burocráticas que nos impedem de prestar o melhor serviço, porque temos de aguardar a resolução de alguns contratos ou das reparações e das peças que não chegam às ilhas”, frisa.

O vice-reitor relembra ainda que a UAc tem trabalhado, nos últimos anos, na melhoria da acessibilidade e mobilidade no campus, como a construção de rampas, colocação de corrimãos, adaptação de secretárias e todo um “conjunto de iniciativas”.

Adolfo Fialho conta também que foi criado um protocolo com a Fundação Gaspar Frutuoso, que resultou na atribuição de uma bolsa a Diogo Brilhante este ano, e que futuramente pode apoiar outros estudantes.


Projeto de vida independente aguarda aprovação
Diogo Brilhante ao contactar o Governo Regional recebeu resposta de que, até 2030, seria implementado um projeto de vida independente, o que o deixou com alguma esperança. Mas, considerando que vão ser realizadas eleições em fevereiro de 2024, e tendo em conta esta incerteza o jovem agora não sabe “o que pensar”, confessa.
Segundo apurou o Açoriano Oriental junto do Governo Regional, foi publicada a 7 de julho, no Jornal Oficial, a Estratégia Regional para a Inclusão da Pessoa com Deficiência nos Açores, que prevê, no eixo estratégico 5, a “promoção da autonomia e vida independente”.

Contudo, a “implementação das medidas previstas nesta estratégia regional está dependente da aprovação do Plano e Orçamento Regional para o ano de 2024, nomeadamente do projeto-piloto de vida independente, cujo modelo será definido oportunamente”, afirma a mesma fonte.


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