Açoriano Oriental
Ensino para a resolução de problemas pode começar na escola

O ensino para a resolução de problemas, nomeadamente a gestão cognitiva e emocional do processo até se chegar a um momento ‘Eureka’, pode começar na escola, com crianças “a aprender ao explorar”, disse à Lusa a investigadora Amory Danek.

Ensino para a resolução de problemas pode começar na escola

Autor: Lusa

“As crianças estão sempre a ter esses momentos de ‘a-ha!’. É só deixá-los explorar e têm-nos. É assim que aprendem, e é um motivador forte para todos nós. Tenho três filhos, o mais velho com 10 anos, e nenhum deles tem telemóvel. Mantenho esses estímulos limitados. Não acho que seja bom, acho que lhes afeta o progresso”, afirma a investigadora em psicologia da Universidade de Heidelberg (Alemanha).

Amory Danek falava à Lusa à margem do 14.º Simpósio “Aquém e Além do Cérebro”, da Fundação Bial, na Casa do Médico, no Porto.

Segundo a especialista em ‘insight’, um conceito que se pode traduzir para português por entendimento, ou perceção, e que diz respeito ao momento em que se dá uma mudança abrupta de não saber como resolver um problema “para um momento de claridade, em que todas as peças encaixam”.

Essa sensação, traduzida sonoramente por ‘a-ha!’ ou o famoso ‘Eureka!’ de Arquimedes, forma parte de um processo que tem dois fatores fundamentais, o cognitivo e o afetivo.

Danek utiliza um teste ancorado no paradigma do truque de magia, em que truques de magia são mostrados a pessoas que têm de o ‘resolver’, isto é, de descrever corretamente o truque.

As respostas corretas dão uma maior sensação de prazer, “uma intuição de sucesso” que pode ajudar a formar o pensamento para problemas futuros, mas também solidificam o processo e o conhecimento na memória.

Em sentido inverso, e durante a palestra, Danek notou ainda que os falsos momentos de perceção, ou entendimento, podem reforçar convicções erradas, possivelmente provenientes de desinformação.

Para a investigadora, estas assunções podem mesmo ser uma possível causa para a persistência do fenómeno de ‘fake news’, notícias falsas, na sociedade.

Para se poder treinar resolução de problemas de forma criativa, apresentou, o ideal seria “um treino mais geral” e assente “em estratégias metacognitivas, em que a pessoa pensa no próprio pensamento” e em como está a fazê-lo, para evitar fixar-se num só modelo de resolução.

Essa educação, para que mais pessoas possam sentir mais vezes este momento de entendimento, “pode começar nas escolas”, e passa por “conhecer o processo cognitivo, por um lado, e depois o componente afetivo, aquela sensação prazerosa”, e condicionar as pessoas a acreditar que o sucesso pode também ser intuído.

“Uma coisa muito importante é o aspeto da incubação. Dormir sobre o assunto, ou pelo menos deixar o problema descansar. Em muitos problemas, a coisa funciona quando se sabe que temos a abordagem correta e só falta diligência. Noutros, está-se preso, a sentir que não se avança. Aí é importante parar, e admitir que se está fixado. Isto é o que muita gente não se apercebe, e continua a tentar a mesma abordagem”, descreve.

Os processos pré-cognitivos são outro dos pontos fulcrais – “ajudaria educar as pessoas sobre essas formas de pensamento que ocorrem”, atira.

“Este princípio já é bom, quando podemos saber que precisamos de reestruturar a representação mental de um problema, poder voltar mesmo ao início”, acrescenta.

Durante a sessão de trabalhos, hoje, na Casa do Médico, no Porto, detalhou, de resto, alguns dos métodos já conhecidos e apresentados por outros especialistas da área, como o das ‘pessoazinhas’, isto é, imaginar o problema em termos de miniaturas de pessoas que tivessem de resolver um dado assunto.

Numa era de muitos estímulos, pode ser difícil manter-se concentrado no processo, poder fiscalizar o próprio pensamento, e Danek concorda que “as distrações tornam tudo mais difícil”.

“A primeira coisa seria desligar o ‘smartphone’ e não ser interrompido. [Por outro lado], em alguns casos, até pode ajudar, por uma questão de serendipidade, um encontro fortuito com algo de fora que, subitamente, nos ajuda. Mas isso é muito raro. Ninguém pode isolar-se para resolver problemas, mas um equilíbrio saudável passa por desligar essas informações desnecessárias”, recomenda.

A perceção de si mesmo, e a forma como se aborda o pensamento sobre um dado assunto, fica patente num dos exemplos que partilhou com a plateia do simpósio, nomeadamente a de que grupos com treino prévio sobre este processo tiveram resultados superiores a pessoas destreinadas para analisar a abordagem.

“[A sensação] tende a assinalar algo que está correto e é original. Poderá ser treinado, mas este trabalho ainda está no início, a partir de estratégias metacognitivas”, explicou.

Por outro lado, também a pressão social conta. “Num dos estudos, dissemos aos participantes: ‘quase toda a gente consegue resolver’, e a outros: ‘quase ninguém consegue resolver’. Esse efeito ‘a-ha’ continuou. Mas, no grupo ‘quase toda a gente consegue’, tentaram mais, ou não queriam desistir”, contou.


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