Açoriano Oriental
'Açorianos Lá Fora'
Sara Pinheiro vive na Bulgária e a culpa...é quase do Google

Sara Pinheiro foi a primeira convidada do espaço online 'Açorianos Lá Fora'. 'Viajámos' até aos balcãs, mais propriamente até à Bulgária. Quisemos saber da micaelense e da sua adaptação a um país que esteve 46 anos sob o jugo da União Soviética. Numa pequena conversa, percorremos Sófia e visitámos as diferenças culturais entre o povo português e o búlgaro. Conheça-as também e conheça a Sara que, com 26 anos, viu o Google conduzi-la a uma aventura a mais de quatro mil quilómetros de casa.    




Autor: Miguel Bettencourt Mota

Como é que uma micaelense acaba por ir trabalhar para a Bulgária?

Realmente, o meu percurso estava a ser feito na ilha de São Miguel. Mas, de repente, fui invadida por um pensamento: 'a vida não pode ser só contar o dinheiro, é preciso vivê-la'. Decidi, então, abrir o Google e escrevi 'vagas para portugueses no estrangeiro'. O primeiro emprego que surgiu foi para o Reino Unido. Concorri e, no dia seguinte, a empresa contactou-me a referir que, de facto, tinham sede no Reino Unido, mas que a vaga era para a Bulgária...Na altura, confesso, não tinha grandes informações sobre o país, apenas sabia o nome da capital.

Foi o espírito de aventura, mais do que o da procura de conquistas profissionais, que a levou a embarcar nessa odisseia?

Posso dizer que sim. Nunca estive numa situação de desemprego e sempre consegui trabalho enquanto vivi em Portugal. Entretanto, sempre tive a ambição de querer viajar, o que é algo difícil de se fazer quando se vive numa ilha. A Bulgária pareceu-me um país interessante para poder fazer isso...Está no meio da Europa, serve de conexão a vários pontos do mundo e tem um aeroporto bastante internacional. Além disso, o pacote salarial era muito atrativo. Assim, no início de junho de 2016, comecei a trabalhar em Sófia.

Como tem sido o seu percurso profissional?

Já passei por três grandes empresas internacionais. Comecei na Paysafe, uma empresa que funciona com pagamentos online e está associada à indústria do jogo. Trabalhei lá durante um ano e um mês, e fui contratada para falar na minha língua nativa. Depois, trabalhei na Microsoft, onde subi também de cargo, acabando por liderar uma equipa de dez pessoas. Quando o projeto em que trabalhava se deslocou da Bulgária fui, então, obrigada a procurar trabalho. Agora estou a trabalhar na ServiceSource.

A sua formação em Turismo tem sido aplicada nestes trabalhos?

Eu comecei a estudar em Direito, mas não terminei o curso. Quando tirei a licenciatura em Turismo, não posso dizer que o fiz por querer trabalhar diretamente na área ...

...Terá sido o contacto privilegiado com pessoas, o que mais a motivou a enveredar por essa licenciatura?

Exatamente. Até para ser sincera gosto bem mais da área de marketing e tem sido maioritariamente essa a vertente que tenho aproveitado do curso. Porque, na verdade, a licenciatura de Turismo na Universidade dos Açores é bastante versátil e o que aprendi em marketing tenho podido explorar neste novo trabalho. Além disso, as soft skills inerentes a ser portuguesa também me têm valido e são muito bem vistas aqui na Bulgária...

...Que soft skills?

Os búlgaros, do que posso ver, não têm tanto aquela capacidade de se desenvencilharem e darem a volta a certas situações. Isso é uma 'escola' que nós portugueses temos...Os búlgaros, muitas vezes, bloqueiam quando há algo que sai mais da rotina. Há até quem nos venha pedir conselhos – o meu namorado está também aqui na Bulgária – sobre como enfrentar e contornar alguns problemas no trabalho. Portanto, posso dizer que ser portuguesa é uma mais-valia aqui.

Culturalmente, há uma grande assimetria? Somos povos muito diferentes?

Esse foi o maior choque que tive depois de aterrar na Bulgária. Estamos a falar de um país que esteve sobre a influência do comunismo durante muito tempo e, por isso, os seus povos são muito frios. Eles não se cumprimentam com beijos na cara, mas sim com um aperto de mão. Os beijos na cara são comuns apenas em pessoas com grande afinidade. Pela minha experiência, para cativar um búlgaro é preciso bastante tempo e temos de nos empenhar nessa relação. Mas depois, passado esse tempo e ultrapassadas as distâncias culturais, os búlgaros são pessoas com as quais podemos contar para qualquer coisa.

Para além dos búlgaros, do que é que gosta na Bulgária?

Gosto principalmente do verão. Eles têm aqui temperaturas bastante amenas e o país faz fronteira com o Mar Negro, um sítio excelente. O custo de vida também é baixo; a moeda é o lev búlgaro, que é duas vezes mais baixo do que o euro. Portanto, quando um português chega cá, é como se o seu dinheiro se multiplicasse por dois. Por isso, neste momento, há quinhentos portugueses a viver na Bulgária.

Convive muito com portugueses, ou já se entrosou com outras comunidades?

Trabalhando em empresas internacionais, relacionamo-nos com pessoas dos mais variados pontos do mundo. Convivemos tanto com búlgaros, como com portugueses e pessoas de outros países da europa...

...E além da vida profissional?

É habitual no final do dia de trabalho sairmos todos juntos... Há também aqui pessoas do Egipto, dos Emirados [Árabes Unidos] e acabamos por estar a lidar com pessoas de todo o mundo. Não temos a necessidade de estarmos a marcar encontros só de portugueses.

E como é Sófia? É uma cidade cosmopolita?

Estamos a falar de uma cidade onde moram praticamente dois milhões de pessoas. É uma cidade que tem serviços que funcionam 24 horas por dia. Por isso, sim. Sófia é uma cidade bastante desenvolvida e apresenta uma rede de transportes muito boa.

E quais têm sido as suas maiores dificuldades até ao momento?

O facto de estar muito longe de casa e de ter que apanhar três voos para lá chegar, tem sido o mais difícil...Até pelo medo que tenho de andar de avião [risos]. Depois é o tal choque de culturas que é mais complicado...

...A língua é um entrave?

Sim, tudo seria mais fácil se dominasse a língua e o alfabeto (que não é latino).

A língua oficial é a búlgara, mas a russa também prevalece, não é assim?

Sim, durante o período de governação comunista, para além da búlgara, as línguas ensinadas eram a russa e a francesa. O ensino do inglês, nesse período da Guerra Fria, era proibido. Hoje em dia, já se vê bastante gente a falar inglês, mas os locais ficam algo tímidos se comunicamos com eles apenas em inglês. É sempre bom saber algumas palavras como 'bom dia', 'boa tarde', 'pode ajudar-me' e 'obrigado'.

A Bulgária será apenas um ponto de passagem ou em definitivo na sua vida?

Não tenho um tempo definido para ficar na Bulgária...Será até me sentir bem. Mas posso dizer que não me vejo a viver definitivamente na Bulgária.

E quanto a pousar a bagagem em São Miguel?

Duvido. Talvez na velhice [risos].





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