
A Fascíola Hepática nos Açores. Como Fizemos... Conclusões do estudo
A Fasciolose é uma zoonose parasitária, isto é, uma doença infeciosa de animais suscetível de ser transmitida para o ser humano causada por parasitas do género Fasciola, sendo a espécie mais comum a Fasciola hepatica Linnaeus. Esta parasitose atinge múltiplos mamíferos, tendo uma maior incidência em gado bovino, caprino e suínos, causando significativas perdas económicas anuais.
No arquipélago dos Açores devido às suas características climáticas, ou seja, devido aos seus elevados níveis de humidade e elevada pluviosidade, existem excelentes condições para a criação de gado. A bovinocultura e a produção leiteira são setores extremamente importantes para esta região, no entanto, são fortemente afetados pela contaminação das pastagens uma vez que nestas condições é favorecido o parasitismo gastrointestinal dos bovinos, nomeadamente a fasciolose. A presença de hospedeiros intermediários, nesta região, também contribui para a ocorrência desta parasitose. O único molusco gastrópode terrestre de água doce reconhecido nos Açores como hospedeiro intermediário da Fascíola hepática é Galba truncatula.
Deste modo, surgiu, assim, este estudo que tem como finalidade analisar a presença de F. hepática noutras espécies de moluscos, isto é, investigar a possibilidade de outros gastrópodes de água doce como Peregriana peregra e de Physella acuta serem hospedeiros secundários de Fasciola hepática uma vez que estas espécies ocupam o mesmo habitat de G. truncatula. Assim, recorreu-se a técnicas da Biologia molecular para a realização deste estudo. Importa realçar que esta foi a primeira vez que foi realizado um estudo, tendo por base, técnicas moleculares, a gastrópodes de água doce nos Açores, no sentido de investigar o seu possível envolvimento como hospedeiros secundários de F. hepática.
Esta atividade foi sem dúvida muito gratificante pois permitiu-me crescer a todos os níveis. Tive a oportunidade de conhecer novos conceitos e conteúdos, aprendi a trabalhar e a manusear os vários equipamentos de laboratório e ainda fiquei a conhecer as diversas técnicas aplicadas na Biologia molecular. Além disto, realizar esta experiência com os meus colegas e professoras permitiu-me desenvolver valores como a cooperação, organização e trabalho de equipa, valores esses essenciais no mercado de trabalho e no nosso dia a dia.
FILIPA VIEIRA
A hipótese científica levantada nesta investigação era verificar se existem outros hospedeiros secundário (caracóis de água doce) do parasita Fasciola hepatica para além do atualmente reconhecido, a Galba truncatula . Verificámos que as espécies que ocupavam o mesmo habitat de Galba truncatula eram Physella acuta e Peregriana peregra . Foram utilizados espécimes destas duas espécies, coletados no ano letivo anterior em bebedouros de vacas nas Furnas, e espécimes de Fascíola hepática coletados de fígados de vacas contaminadas fornecidos pelo matadouro de São Miguel. O objetivo era verificar se as larvas do parasita (fase de desenvolvimento do parasita que ocorre no interior do caracol) estavam presentes no interior do caracol e assim confirmar a contaminação. Esta deteção passa por identificar a presença de ADN da F. hepática utilizando para tal a tecnologia biomolecular. Como fizemos? - Inicialmente procedeu-se à fase de extração, isolamento e purificação do ADN dos espécimes de P. acuta P. peregra e F. hepatica .
- De seguida, passou-se à etapa da Reação em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction - PCR) para amplificar duas regiões do ADN extraído anteriormente: o spacer ITS-2 e gene mitocondrial da citocromo oxidase COI-5P. Para isto, foram usados primers, segmentos de ácidos nucleicos sintéticos, necessários à iniciação da replicação do ADN. No final do processo de amplificação obtivemos os genes de ADN que nos interessava das três espécies.
- O próximo passo foi a eletroforese de ADN em gel de agarose, onde foi possível separar os fragmentos da ADN amplificados (de acordo com o peso molecular, ou seja o número de pares de bases).
As amostras com melhor qualidade ou seja, as amostras que deram origem a bandas no gel melhor definidas foram enviadas para sequenciação. A sequenciação é o processo em que o ADN é "lido" e se obtém o código de barras genético (DNA Barcoding) que é único para cada espécie. Só através da sequenciação é que é possível ter a certeza de que as espécies com que trabalhamos são efetivamente as que pensá
vamos, pois muitas vezes as diferenças morfológicas entre espécies não são suficientes para as distinguir. As sequências foram editadas, alinhadas e comparadas com outras sequências existentes num banco de dados universal (Genbank). Os resultados da sequenciação e alinhamento, revelaram que a espécie Peregriana peregra era de facto uma outra espécie Ampullaceana balthica o que de facto nos surpreendeu. Refira-se ainda que este foi o primeiro registo nacional desta espécie no GenBank
Esta experiência foi de extrema importância para mim. Além de eu ter estado a trabalhar nas áreas da genética e da bioquímica, que eu gosto imenso, também tive a oportunidade de compreender o que é ambiente de laboratório e de me começar a habituar ao manuseamento de diversos instrumentos e aparelhos tecnológicos. Sem qualquer dúvida que esta atividade me ajudará imenso no meu percurso futuro.
MIGUEL SOARES
Conclusões do Estudo...
Em busca de hospedeiros intermediários de F. hepática
Os nossos resultados mostraram que os exemplares identificados inicialmente como Peregriana peregra correspondiam, afinal, a amostras de Ampullaceana balthica , (resultados da sequenciação do gene COI-5P). Diversos estudos nas áreas da taxonomia e biologia molecular revelam que P. peregra e A. balthica correspondem a espécies diferentes, cujas diferenças são só visíveis a nível molecular. Até agora apenas Galba truncatula era considerada a única espécie reconhecida como hospedeira intermediária de F.hepatica e tendo em conta que P. peregra e Galba truncatula pertencem à mesma Família. Seria expectável que esta espécie fosse um candidato forte a hospedeiro secundário deste parasita. De facto, há trabalhos que confirmam a presença de fascíola em moluscos do género Peregriana em regiões afetadas pelo parasita e onde a G. truncatula está ausente. Os nossos resultados (segundo a sequenciação do ITS2) não foram claros quanto a esta possibilidade e portanto não podemos concluir que P. peregra , ou seja, agora sabemos que é A. balthica , seja um potencial transmissor do parasita. Quanto à espécie Physella acuta , estudos indicam que esta não é uma espécie preferencial como hospedeiro secundário, no entanto os nossos resultados apontam para essa possibilidade. Mais estudos terão de ser desenvolvidos para clarificar a hipótese inicialmente levantada. Os resultados foram promissores, no entanto, temos consciência que existiram várias condicionantes que não conseguimos controlar no decorrer do processo e que podiam ter conduzido a um desfecho final mais robusto. Uma das possíveis razões para os nossos resultados pode ter sido a presença de outros pequenos fragmentos de ADN que levou à sobreposição de sequências e que dificultaram a sua "leitura" no processo de sequenciação. Este facto também nos levantou a suspeição de que estes caracóis podem ser transmissores de outros parasitas geneticamente semelhantes à fascíola. Outra limitação que sentimos no processo é que trabalhamos com um número reduzido de espécimes
Apesar dos resultados não terem sido tão conclusivos como esperávamos nem de ter acompanhado o processo completo (desde 2018), a realização desta atividade foi simplesmente incrível. A elaboração da experiência foi extremamente agradável que, sem dúvida, será muito proveitosa para o meu futuro. O ramo da Biologia Molecular é um campo que me suscita particular interesse e, a meu ver, também funcionou como uma escapatória ao stress provocado pelas fichas de avaliação. Portanto, agradeço à Escola Secundária de Lagoa e à Universidade dos Açores por esta oportunidade única.
DIOGO SOUSA
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