Autor: Nuno Martins Neves
De uma sociedade que não era igualitária e conservadora a vários níveis, onde a Igreja Católica defina os papéis do homem e da mulher, “assente que a mulher era a cuidadora, a doméstica”, Portugal fez um longo caminho até aos dias de hoje, onde as mulheres conquistaram o seu espaço na sociedade.
Sem voz pública, sem acesso a lugares de decisão e limitada nas áreas profissionais, a mulher portuguesa conheceu uma abertura com o 25 de Abril. “O país mudou, quer do ponto de vista do casamento - com a legalização do divórcio, do aborto e o acesso à contraceção - quer com o acesso das mulheres ao Ensino Superior e às diferentes carreiras profissionais e ao mercado de emprego.”
Se em 1970, 72% da população feminina não tinha qualquer escolaridade, hoje esse número baixa para os 5,6% nos Açores e os 7,2% a nível nacional.
“É um facto que as mulheres estão hoje em maioria no Ensino Superior e entraram em profissões que eram um reduto de homens, como a Medicina, onde hoje há 60% profissionais do sexo feminino.”
A
escolaridade das mulheres fez-se a um nível tremendo, diz a socióloga, e
foi esta ferramenta de qualificação que permitiu às mulheres conquistar
o seu lugar de direito no mundo empresarial e na política.
“Quando as mulheres começaram a participar nas assembleias regionais e nacionais, poderia verificar-se que as deputadas eram na sua maioria, ou na totalidade, licenciadas, o que já não acontecia nos deputados.”
No entanto, a discrepância salarial entre géneros persiste e, segundo Piedade Lalanda, é tanto maior quanto maior é o nível da escolaridade da mulher. “Segundo os dados da Comissão de Igualdade de Género, ultrapassa os 500 euros entre um homem e uma mulher, em valores médios.”
A socióloga acrescenta: “Nós temos uma sociedade que não reconhece valor nas profissões do cuidar, do atender, do acolher, do receber, do ensinar. Essas profissões não são as mais bem remuneradas”. Os dados revelam que continua a haver profissões onde existe uma grande prevalência de mulher, por resistência dos homens em entrar, como a enfermagem. “Desde os anos 70, que continua a ser 20% o número de homens que frequenta esta profissão. Mas ocupam lugares de chefia!”.
Apesar das mudanças estruturais que ocorreram na sociedade portuguesa, por intermédio das conquistas das mulheres, os dados mais recentes da Fundação Francisco Manuel dos Santos, de 2019, revelam que persiste uma acentuada desigualdade entre homens e mulheres no que às tarefas domésticas e à educação dos filhos diz respeito, em que as mulheres continuam a assegurar a maioria das tarefas de cuidar, de limpeza da casa.
“Nestes 50 anos, mudou essencialmente com esta conceção de
família, com a alteração do papel da mulher na família e a entrada no
mercado de trabalho, com a sua escolaridade, com a sua afirmação de
competência mútuas, com a própria lei da paridade na política, em 2006. É
uma realidade positiva, mas depois temos o lado sombra que é o que vai
na cabeça das pessoas quando pensam qual é o lugar real da mulher e o
que devemos esperar dela na sociedade. E aí ainda temos um caminho
grande para trilhar.”