Xanana Gusmão saúda decisão da justiça australiana de permitir julgamento aberto de espionagem contra Timor-Leste
7 de out. de 2021, 14:27
— Lusa/AO Online
“Saúdo
a decisão unânime do Supremo Tribunal do Território da Capital da
Austrália, de permitir a possibilidade de recurso a Bernard Collaery,
relativamente à divulgação pública de certas informações que,
provavelmente, serão fornecidas como prova no seu julgamento”, escreveu o
primeiro chefe de Estado timorense, numa declaração a que a Lusa teve
acesso.“Collaery é um advogado australiano
experiente, que enfrenta acusações de violação das leis de segurança e
informações australianas, por revelar que os serviços de informações
australianos colocaram escutas no gabinete do Governo de Timor-Leste
durante as negociações de petróleo e gás”, recorda Xanana Gusmão,
acrescentando que “o povo timorense agradece a coragem demonstrada pelo
senhor Collaery e oferece-lhe o seu apoio moral permanente”.O
antigo chefe de Estado quer que o caso fique por aqui e apela à justiça
australiana para que retire as acusações que impendem sobre Collaery,
atendendo à “decisão do Tribunal de Recurso no sentido de apoiar o
pedido [do advogado] de uma justiça aberta” e “no interesse da justiça e
da relação de amizade entre Timor-Leste e a Austrália”. Em
junho de 2020, um juiz num tribunal de instância inferior emitiu ordens
proibindo a divulgação pública de provas a serem fornecidas durante o
julgamento de Collaery, dando cabimento a um pedido nesse sentido por
parte do Procurador-Geral da Austrália. A decisão implicava que o
julgamento de Collaery viesse a ser conduzido em segredo.Collaery
recorreu da decisão e o Supremo Tribunal do Australian Capital
Territory (ACT) em Camberra veio agora dar-lhe razão, numa decisão
divulgada esta quarta-feira, que deu maior relevância ao risco de
prejuízo para a confiança do público na administração da justiça, caso
as provas envolvidas no processo não pudessem ser divulgadas
publicamente. De acordo com a decisão, as audiências públicas de julgamentos penais são importantes para dissuadir perseguições políticas.A
decisão do Procurador-Geral da Austrália de processar Collaery e um seu
cliente - o ex-espião australiano, conhecido como Testemunha K -,
imediatamente após Timor-Leste e a Austrália acordarem um Tratado de
Fronteira Marítima em 2018, “precisamente numa altura em que as [duas]
nações encetaram um novo período de cooperação e de boa vontade, foi um
insulto ao povo [de Timor-Leste]”, considera Xanana Gusmão na sua
declaração.“A decisão do Supremo Tribunal
de apoiar (…) Collaery e insistir num processo penal público, ajudará a
garantir que a verdade seja ouvida em tribunal, relativamente às escutas
ilegais no gabinete de Timor-Leste, escutas estas que foram realizadas
não por razões de segurança nacional, mas por interesses comerciais”,
reforça o ex-Presidente timorense.Bernard
Collaery viu reconhecido em último recurso o seu pedido para um
julgamento aberto num processo em que enfrenta acusações do Estado
australiano de ter revelado informações classificadas.Collaery
enfrenta cinco acusações de revelar informações de segurança nacional a
jornalistas do jornal ABC e de conspirar com um antigo cliente – a
Testemunha K – no sentido de revelarem informações secretas ao Governo
de Timor-Leste.A informação secreta
refere-se especificamente a alegações de que a Austrália colocou escutas
no edifício do Governo de Timor-Leste em 2004 para obter vantagens em
negociações cruciais sobre petróleo e gás. No
ano passado, um juiz do Tribunal de Recurso, David Mossop, rejeitou um
apelo de Collaery para que parte do material fosse utilizado como prova
no julgamento, concluindo que algumas informações deveriam permanecer
confidenciais.O Supremo Tribunal do ACT
considera agora que o segredo pode prejudicar a confiança do público no
sistema judicial, ainda que admita que a divulgação do material pode
envolver um risco de prejuízo para a segurança nacional, mas duvidando
que isso se concretize.Nos termos da
presidente do Supremo Tribunal da ACT, Helen Murrell, citada pelo ABC, o
risco é contrabalançado por outras preocupações: "Havia um risco muito
real de dano da confiança pública na administração da justiça se as
provas não pudessem ser divulgadas publicamente".A
publicação australiana sublinha, por outro lado, que existe, no
entanto, o risco de algum material não ser tornado público, uma vez que
algumas provas referidas como "assuntos exclusivamente judiciais", têm
sido até agora consideradas tão secretas que não foram sequer
partilhadas com Collaery e os seus advogados.Neste
sentido, o Supremo ordenou que o caso fosse devolvido ao juiz Mossop
para que este avalie a admissibilidade de estas provas virem apenas a
ser disponibilizadas aos juízes. O caso
foi deflagrado por uma denúncia por parte da 'Testemunha K', que
divulgou um esquema de escutas montado pelos serviços secretos
australianos em escritórios do Governo timorense, em Díli.As
escutas terão sido instaladas em 2004 por uma equipa liderada pela
própria 'Testemunha K' durante obras de reconstrução dos escritórios,
oferecidas no âmbito da cooperação humanitária oferecida pela Austrália
que, assim, obteve informações para as negociações com Timor-Leste sobre
os recursos do Mar de Timor.Collaery é um
dos nomes australianos mais associados a Timor-Leste, tendo durante
décadas apoiado primeiro a resistência à ocupação indonésia e, desde a
restauração da independência em 2002, as autoridades do país.O caso de Collaery e da 'Testemunha K' tem suscitado várias críticas às autoridades australianas.