Temos a tendência de andar sempre à procura do próximo ícone
através da comparação com referências do passado. E isso pode fazer-nos
perder a noção do que se está a passar mesmo à nossa frente. Não vale a
pena procurar pelo novo Zeca Medeiros,
o novo Luís Gil Bettencourt ou o novo Aníbal Raposo (até porque os
“originais” ainda estão em grande forma). O que os fez alcançar o
estatuto de referência da música açoriana não foi serem exímios
instrumentistas ou cantores imaculados. O que os colocou para
sempre no imaginário açoriano foi, em primeiro lugar, a capacidade para
colocar os Açores – as tradições, as vivências, os objetos, os hábitos, a
história, os lugares – de forma verosímil nas suas canções.
Não quero estabelecer uma comparação entre os We Sea e estes ícones da
música açoriana. Seria injusto para uns e para outros. Mas, hoje, os We
Sea talvez sejam o melhor exemplo de quem transporta a “alma” açoriana
para a música contemporânea. O facto de se
inspirarem na sonoridade dos anos 80 não lhes retira a modernidade, até
porque este é um revivalismo generalizado na pop produzida atualmente em
Portugal.
“Pára o Tempo no Canal”, a canção de abertura de “Cisma”, o mais recente
álbum da banda, invoca de imediato o clássico “Mau Tempo no Canal”, de
Vitorino Nemésio, o homem que cunhou a expressão “açorianidade”. Mas não
é só nas palavras que se sente os Açores.
Há outros sinais, como o sotaque micaelense, que Rui Rofino não
exacerba, mas que também não esconde. Há a temática do mar (até no nome
da banda), a viagem, e há muita melancolia. Enfim, muitas músicas até
parecem estar carregadas de humidade.
A caminhada dos We Sea começou quando chegou ao fim o caminho dos Broad
Beans. Com a partida do guitarrista e do baterista para estudar no
continente – ah... o fado das bandas açorianas – Rui Rofino e Clemente
Almeida continuaram a juntar-se para criar música,
e assim nasceram os We Sea, de que agora fazem parte também Rómulo
San-Bento e Pedro Rodrigues, precisamente os músicos que compunham os
Broad Beans.
Se, no início, We Sea era um projeto experimental com arestas pouco
limadas, agora, neste segundo álbum, com a entrada do guitarrista e do
baterista, o som da banda é cheio e polido. Isto já não é uma
“experiência”, isto é um produto final.
Se tivesse que apontar uma referência para aquilo que os We Sea estão a
fazer, talvez apontasse para os GNR, na sua fase mais experimental, até
nas letras porque tal como Rui Reininho, Rui Rofino também gosta
utilizar as palavras para criar labirintos que nos
encaminham para significados inesperados. E não tem medo de usar
palavras que dificilmente encontraremos em qualquer outra canção. Rui
Reininho nunca usaria a palavra “Atoleimado” numa canção (talvez só
porque deve desconhecer o seu significado) mas Rofino
tem essa ousadia. E isso também é eternizar as nossas raízes culturais,
sem complexos.
Os We Sea estiveram recentemente no Festival Mil, em Lisboa, e voltaram
de lá com o sentimento de terem conseguido agarrar a atenção e a
simpatia de muita gente. No próximo dia 26 de novembro podem vê-los no
Arquipélago, na Ribeira Grande. A banda está também
na final do concurso “One Step 4 Music Fest”. Procurem online e votem
porque os projetos mais votados terão a possibilidade de tocar no Meo
Sudoeste ou no Super Bock Super Rock.