Para
além de fixar a memória de Manuel José de Arriaga Brum da Silveira
e Peyrelongue (1840-1917) e o seu tempo, o referido espaço
museológico, dotado de equipamentos multimédia, projeta-se na
substância dos ideais e valores republicanos, com um núcleo moderno
de reflexão e estímulo à participação cívica.
O
que aprendi com esta visita? Que a vida de Manuel de Arriaga foi de
luta intensa, ele que intensamente viveu os últimos decénios da
Monarquia Constitucional e os primeiros anos da República. O pai,
Sebastião de Arriaga, monárquico convicto, ao saber que o filho,
fixar-se-ia em Coimbra, optara pelo ideário republicano, deixou de
lhe pagar a mesada e deserdou-o. Manuel sobreviveu dando explicações
particulares de Inglês.
Licenciado
em Direito pela Universidade de Coimbra, Manuel de Arriaga foi
professor liceal, advogado, deputado, procurador-geral da República,
reitor da referida Universidade e, com 71 anos de idade, eleito
Presidente da República, no dia 24 de Agosto de 1911. Presidiu ao
país num período conturbado, sofrendo as dificuldades de conciliar
partidos e ideais opostos. Durante o seu mandato (1911-1915) empossou
oito governos.
Este
faialense foi paladino de uma sociedade mais justa e igualitária.
Ideólogo do republicanismo português, orador de mérito, escritor
profícuo e poeta estimável, sonhou com uma República que fosse
“Escola, Oficina, Museu, Jardim”. Cultivou uma outra forma de
fazer política, que se baseava numa ética de responsabilidade, ou
seja, num sentimento de dever moral e cívico de trabalhar para o bem
da comunidade e para os benefícios dos outros e não em defesa dos
seus próprios interesses.
Contrariamente
aos políticos, republicanos, monárquicos, jacobinos, maçons e
carbonários dos nossos dias, Manuel de Arriaga não conheceu
benesses nem mordomias. Bem pelo contrário. Enquanto Presidente da
República, era obrigado a pagar renda de casa, não tinha
secretário, nem protocolo, nem Conselho de Estado. Foi aconselhado a
comprar um automóvel para as deslocações oficiais, mas teve de o
pagar do seu bolso também. Na falta de um secretário, convidou o
seu filho, Roque de Arriaga, para essa função.
Quando,
no dia 26 de Maio de 1915, resignou ao cargo de Presidente, declarou
ao jornalista João Chagas: “Saio da Presidência mais pobre do que
quando nela entrei”. (Nos dias de hoje seria exatamente o oposto…).
Um
ano depois, no seu livro intitulado 'Na Primeira Presidência da
República Portuguesa', Arriaga escrevia: “Hei-de morrer pobre.
Hei-de morrer tão descrente dos homens quão crente nos princípios
que sigo. Hei-de morrer vencido e cansado. Mas hei-de ter a
consolação de que, por cima da minha sepultura, poderá ler-se:
Aqui jaz um homem que não explorou ninguém e que antes por alguns
foi explorado”.
Os
conterrâneos de Manuel de Arriaga referiram-se-lhe como “altruísta”,
“pacificador”, “magnânimo”, “bondoso”, “honrado”,
“idealista”, “romântico”. Ora aí estão adjectivos que
dificilmente se encaixam nos governantes dos nossos dias.
Num
discurso proferido em 1867, na Câmara dos Deputados, Manuel de
Arriaga lançava este sério aviso: “Senhores deputados,
permitam-me que neste período desenfreado e desaforado mercantilismo
que tudo e todos avassala e corrompe (…) lhes diga que é
exatamente a falta de um ideal político na administração do Estado
a causa primordial da nossa decadência como povo e como nação”.
Nunca
é tarde para aprendermos a lição de Manuel de Arriaga.