Veto turco à adesão de Finlândia e Suécia à NATO usado por Erdogan para se manter no poder
7 de jul. de 2022, 11:04
— Lusa/AO Online
"[O
Presidente turco] Recep Tayyip Erdogan pretendia fazer um acordo e
esgrimir o poder da Turquia na NATO, sabendo da urgência da adesão da
Suécia e Finlândia", indicou à Lusa Ilhan Uzgel, professor de Relações
Internacionais e ex-docente da Universidade de Ancara."Nesse
sentido, podia jogar uma cartada forte, de forma explícita, em relação à
Suécia e Finlândia, e implicitamente contra os Estados Unidos, para
obter alguns benefícios à margem desta questão, uma mensagem a nível
interno com o objetivo de se manter no poder e obter alguns resultados
adicionais", adiantou Uzgel.Na perspetiva
do académico, que agora colabora em diversos 'media' eletrónicos, "o
objetivo de Erdogan falhou" e no decurso da cimeira da NATO em Madrid,
que decorreu no final de junho, o Presidente turco acabou por levantar o
veto ao processo de adesão dos dois países nórdicos, mas sem deixar de
impor diversas condições. "A Turquia
estava isolada, a nível interno está a perder terreno, todas as
sondagens demonstram que a sua base de apoio está a esvaziar-se. Estava
numa posição de desvantagem para concretizar este acordo, e não podia
insistir muito devido ao seu poder limitado, estando sob pressão dos
Estados Unidos", assinalou. Antes da
realização da cimeira aliada, Ancara indicou que não aceitaria o
ingresso da Finlândia e Suécia na NATO, caso estes países não alterassem
radicalmente a sua atitude face às organizações políticas curdas, de
acolhimento de muitos ativistas ao longo das últimas décadas, e com
alguns possuindo dupla nacionalidade. A
Turquia exigia o apoio no seu combate aos grupos que considera
"terroristas", com destaque para o Partido dos trabalhadores do
Curdistão (PKK), a rebelião curda em território turco, e as Unidades de
Proteção Popular (YPG), as milícias curdas da Síria. Ancara
acusa fundamentalmente a Suécia de acolher militantes curdos
perseguidos pela Turquia e por permitir inclusive discursos em defesa do
PKK no Parlamento. O levantamento, ainda
considerado provisório, do veto turco, foi alcançado após Estocolmo e
Helsínquia se terem comprometido com o reforço da legislação contra o
"terrorismo" e na extradição de diversos ativistas curdos, com Ancara a
apresentar uma lista de 33 nomes, onde também se incluem supostos
apoiantes do clérigo dissidente Fethullah Gülen, acusado de ter
fomentado o fracassado golpe militar de julho de 2016 contra Erdogan. Ancara
também pediu que os dois países escandinavos levantem o embargo às
armas com destino à Turquia, imposto devido às incursões militares
turcas na Síria para combater os militantes curdos e impedir a
concretização da Rojava, o projeto de uma ampla região autónoma curda e
eventual embrião de um futuro Estado. "Erdogan
tentou fazer 'bluff' como no jogo de póquer, e a administração
norte-americana de Joe Biden optou por não se mover, não responderam ao
desafio de Erdogan. O acordo na cimeira da NATO de Madrid permitiu o
levantamento do embargo às armas, mas a questão é que a Suécia não é o
principal fornecedor de armamento para a Turquia. Apenas fornece uma
quantidade reduzida de armamento ou de peças", precisou Ilhan Uzgel. As
exigências turcas também foram entendidas como um "recado" a
Washington, que nos últimos anos suspendeu o fornecimento de material
militar à Turquia, em particular a venda de caças F-16, uma medida que
poderá ser retomada. No entanto, e em
relação à exigência de extradição dos militantes curdos, a Suécia em
particular já assegurou que o processo será efetuado no respeito pelas
leis internas e do direito internacional. "O
PKK já é há muito designado como uma organização terrorista, não se
tratou de uma concessão por parte da Suécia ou Finlândia", assinalou o
académico. "O único ponto em que a Turquia
tentou beneficiar relacionou-se com o Partido da União Democrática
(PYD), um ramo do PKK na Síria, e queriam designá-lo como uma
organização terrorista, mas não convenceram a Suécia e a Finlândia. O
único que conseguiram foi o fim da assistência ao PYD no norte da Síria,
mas é também um compromisso vago". A
perspetiva de Ancara voltar a recuar na sua posição caso não sejam
extraditados pelo menos alguns dos nomes que a Turquia apresentou na sua
lista e com alegadas ligações ao PKK ou à organização de Gülen "não é
realista", prosseguiu o investigador. No entanto, e apesar da 'luz
verde' turca à primeira fase das candidaturas de adesão, o Parlamento
turco, dominado pelas forças pró-Erdogan, deve ainda ratificar esta
entrada."O que a Turquia está a propor é a
extradição de cidadãos da Suécia e Finlândia. Nenhum país ocidental
pode entregar cidadãos à Turquia, onde o Estado de direito já está
suspenso. Não existe respeito pelo Estado de direito, todos os tribunais
são controlados pelo Governo, todos sabem isso. Não é sensato que esses
dois países extraditem para a Turquia os seus próprios cidadãos,
independente da sua origem étnica, e satisfazer Erdogan a nível
interno". Neste cenário, Ilhan Uzgel
considera que o Presidente turco "não terá capacidade" para impor um
novo veto pelo facto de esta situação não poder ser comparada a um
"jogo", uma abordagem que terá sido privilegiada pela liderança de
Ancara. "Ameaça com um veto, levanta o
veto e depois volta a impô-lo. Trata-se da NATO, dos Estados Unidos, é
algo sério. Os EUA e outros membros da Aliança pedem unidade interna,
atendendo ao prosseguimento da guerra na Ucrânia. Não penso que a
Turquia volte a aplicar o seu poder de veto. Seria o regresso ao mesmo
processo e com o Presidente dos EUA Joe Biden a contactar de novo
Erdogan, não é realista". Na semana
passada, Erdogan afirmou que a Suécia "prometeu" extraditar "73
terroristas" que vivem no país e pretendidos por Ancara, mesmo que o
acordo assinado à margem da recente cimeira da NATO não contemple esta
exigência, um fator que poderá voltar a complicar o processo.Contudo,
o analista de política internacional admite que o Governo turco acabará
por retirar este assunto da agenda pública. "Sabem que constitui uma
desvantagem para o Governo de Erdogan. Vão retirá-lo do debate público",
quando a situação interna continua a degradar-se em particular na área
económica e social e a cerca de um ano de decisivas eleições
legislativas e presidenciais."Nos últimos
20 anos, o ano de 2023 surge como o momento mais provável em que o AKP
[Partido da Justiça e do Desenvolvimento, no poder desde 2003] e Erdogan
podem perder as eleições", admitiu Ilhan Uzgel. "Há
uma forte possibilidade de serem derrotados nas eleições. A economia
está em crise, a inflação está perto dos 100% anuais - um enorme registo
- os salários não podem acompanhar a inflação, o custo de vida está
muito elevado, e existe um crescente descontentamento, mesmo entre os
apoiantes de Erdogan", concluiu.