Vaticano tinha conhecimento das acusações contra abade Pierre já no "outono de 1955"
17 de abr. de 2025, 11:11
— Lusa/AO Online
"No outono de 1955,
não só o alto clero francês estava consciente do lado obscuro e da
perigosidade do abade Pierre, mas também a Santa Sé", frisam as
jornalistas Marie-France Etchegoin e Laetitia Cherel em "Abbé Pierre, a
formação de um santo", num publicado por uma editora francesa (Allary
Editions).As autoras do livro relatam um
"procedimento legal", iniciado pelo órgão da Cúria Romana responsável
por vigiar a moral e a fé dos membros da Igreja, o Santo Ofício", que
foi "atrasado pelos bispos em França, rapidamente fechado e enterrado
dois anos depois, em 1957".Com base nos
arquivos do Dicastério para a Doutrina da Fé, consultados pelos autores
em março de 2025, o livro menciona em particular o relatório de uma
reunião plenária da Suprema Congregação do Santo Ofício sobre o caso do
abade Pierre de 18 de março de 1957.Este
"documento de dez páginas estabelece a cronologia das atividades sexuais
do abade Pierre de 1955 a 1957, detalha as cartas de advertência dos
cardeais norte-americanos e canadianos em 1955 e as decisões do Santo
Ofício", afirmam as autoras.A ata da
reunião plenária relata que D. Paul-Émile Léger, arcebispo de Montreal,
cidade visitada pelo abade Pierre em maio de 1955, tinha conhecimento
das "acusações de imoralidade" contra o padre.O
documento relata ainda um pedido feito a 08 de setembro de 1955 pelo
Santo Ofício ao Núncio Apostólico (embaixador da Santa Sé) então
colocado em França, Paolo Marella, "para acompanhar de perto o caso do
abade Pierre".Um cónego terá ainda escrito
"ao Santo Ofício a 25 de outubro de 1955 para dizer" que sabia que
"coisas imorais" tinham sido cometidas pelo abade Pierre nos Estados
Unidos, apontam as duas jornalistas.O
abade Pierre, fundador da Emmaüs, tornou-se uma figura icónica na luta
contra a pobreza e é alvo de uma série de acusações, desde julho de
2024, de violência sexual cometida entre as décadas de 1950 e 2000.Em
França, os arquivos da Igreja, abertos em antecipação do choque
provocado pelas revelações das agressões sexuais cometidas pelo abade
Pierre, já revelaram como, no final da década de 1950, a hierarquia
episcopal se manteve em silêncio sobre comportamentos considerados
"problemáticos", mas nunca nomeados.Após
as revelações, o papa Francisco garantiu em setembro que o Vaticano
estava ciente, pelo menos desde a sua morte, em 2007, das acusações de
violência sexual.A Conferência Episcopal
Francesa, por sua vez, manifestou o desejo de que "o Vaticano realize um
estudo dos seus arquivos e diga o que a Santa Sé sabia e quando o
soube".O livro de investigação revisita também comentários feitos pelo abade
Pierre sobre os judeus a 21 de julho de 1944, descrevendo "famílias
forçadas à ociosidade (sem culpa própria, claro), mas a transbordar de
ouro, com o qual arrebatavam tudo com uma crueldade implacável".