Único afinador de pianos dos Açores deixa região perante "desinvestimento na cultura"
27 de jul. de 2022, 10:51
— Lusa/AO Online
Em
declarações à agência Lusa, Márcio Vargas, até agora o único afinador
de pianos dos Açores e um dos oito afinadores credenciados a nível
nacional, explicou que a atividade se tornou “inviável”, devido à
diminuição, em “cerca de 80%”, do número de concertos de piano nos
últimos quatro anos no arquipélago.“Tem
existido um desinvestimento de uma forma geral na área da cultura no que
diz respeito ao piano. Tem sido uma coisa que tem acontecido nos
últimos quatro anos, mesmo antes da pandemia, e houve um decréscimo
muito grande nos últimos dois anos”, assinalou.Em
setembro de 2019, Márcio Vargas explicou à Lusa que o seu trabalho era
"minucioso", "altamente especializado" e exigia "muita paciência".Na
altura, apesar de vários convites para trabalhar no continente e no
estrangeiro, explicou que decidiu ficar sempre no Faial devido a
"entraves pessoais" e à "qualidade de vida", percorrendo as várias ilhas
no exercício da profissão.Menos de três
anos depois, o afinador de pianos revela que a situação “mudou” e que
vai rumar ao continente, porque, da parte do Governo dos Açores, “não há
interesse” e não existiu “sequer abertura para discutir o assunto”.“Durante
vários anos enviei propostas e alertei para unirmos esforços para
prestar um serviço à mesma secretaria regional [da Educação e Assuntos
Culturais] e fazer as afinações dos concertos e das escolas. Não houve
qualquer abertura. Até disseram que não me podia considerar um
privilegiado”, revelou.Para o afinador, a
postura do executivo açoriano é “incompreensível”, até porque beneficiou
de uma bolsa de estudo atribuída pela direção regional da Cultura em
2006 para iniciar a sua formação.“Não há
vontade. Não há interesse. Os Açores vão perder o seu afinador. Eu vou
continuar a vir à região, porque há entidades que querem continuar a
trabalhar comigo. Obviamente que todo esse processo vai ser mais oneroso
para a região”, declarou.Márcio Vargas
disse ainda que as escolas “não têm capacidade para investir na
manutenção dos pianos e as que têm, como o conservatório de Ponta
Delgada e a Escola Tomás Borba” em Angra do Heroísmo “optaram por
trabalhar com afinadores de fora” do arquipélago.Os
serviços também passaram a ser menos requisitados porque as "escolas
preferem comprar pianos fora" em vez de adquirirem nas lojas dos
Açores. “É lamentável. Quinze anos de
trabalho, nos quais tive a oportunidade de colocar a região na rota e
nos roteiros dos pianos. Os pianos estavam sempre em condições. Quando
comecei, os pianos, a maioria, estava em estado lastimável. Agora, não
sei o que vai acontecer”, avisou.Por outro
lado, Márcio Vargas explicou que é “cada vez mais requisitado” para
serviços no continente, porque existem “poucos afinadores de piano”
certificados em Portugal.Com
especialização em pianos verticais e de cauda obtida na Alemanha, Márcio
Vargas já teve trabalhos na Alemanha, Bélgica e Espanha, e trabalhou
com vários pianistas, como Vladimir Viardo, Pavel Gililov, Oleg Marchev,
Mário Laginha ou António Rosado.