Uma vida dedicada ao teatro, impulsionada pela televisão
Óbito/Maria João Abreu
13 de mai. de 2021, 13:44
— Lusa/AO Online
A televisão foi o meio
em que mais trabalhou e que lhe deu maior visibilidade, tendo
participado em mais de 60 programas, entre telefilmes, séries e
telenovelas.A sua carreira como atriz
remonta, no entanto, a 1983, quando, com 19 anos, se estreou
profissionalmente no Teatro Maria Matos, no musical “Annie”, de Thomas
Meehan, dirigido por Armando Cortez.A este
sucederam-se vários outros espetáculos de revista no Parque Mayer, até
participar, na Casa da Comédia, em “O Último dos Marialvas”, de Neil
Simon, peça estreada em 1991, que lhe daria visibilidade e
reconhecimento como atriz de comédia. Depois
de várias atuações em espetáculos de revista, sobretudo no Teatro Maria
Vitória e no antigo Variedades, Maria João Abreu passou pelo Teatro
Aberto, onde trabalhou com João Lourenço em “As Presidentes”, de Werner
Schawb, e com José Carretas, em “Coelho Coelho”, de Celine Serreau. Com
Manuel Cintra e José Carretas, fez também “Bolero”, apresentado no
Centro Cultural de Belém (CCB).Mas não foi
só de alegrias, sucesso e reconhecimento que a sua carreira
profissional foi feita. O teatro também lhe trouxe desgosto e
sofrimento, como contou numa entrevista a Daniel Oliveira, no programa
"Alta Definição", em 2019, na qual confessou ter sido vítima de
'bullying', ao ponto de “ir parar ao hospital com um ataque de
ansiedade”.“Foi grave, muito grave. Tive
muitos pesadelos. Cheguei a pensar que fosse algo pessoal. Foi-me dito
que não, de pessoas que já tinham sido vítimas de 'bullying' da mesma
pessoa”, revelou na altura, contando que era olhada com “ódio”, cuspida
na cara, apertada e empurrada antes de entrar em palco.A
vida profissional de Maria João Abreu sofreu uma reviravolta em 1998,
ano em que fundou, com o também ator José Raposo (com quem estava casada
desde 1985), a produtora Toca dos Raposos, responsável por sucessos
como a revista “Ó Troilaré, Ó Troilará” e o musical “Mulheres ao Poder”,
uma adaptação da "Lisístrata", de Aristófanes.Foi
também nesse ano que tomou a personagem Lucinda, uma empregada
doméstica com sotaque nortenho, na série televisiva “Médico de Família”
(1998-2000), e a transformou numa das protagonistas da ação.O
sucesso desta série, exibida em horário nobre, garantiu a sua presença
no 'pequeno écrã' durante três temporadas e 118 episódios, ao longo de
quase três anos de emissão, contando no elenco com atores como Fernando
Luís, Henrique Mendes, Ricardo Carriço, Rita Blanco e São José Lapa.No
cinema, a estreia de Maria João Abreu deu-se em 1999, com o filme
“António um rapaz de Lisboa”, de Jorge Silva Melo, seguindo-se depois
participações em obras como “Amo-te Teresa”, de Ricardo Espírito Santo e
Cristina Boavida, “Telefona-me”, de Frederico Corado, e “A Falha”, de
João Mário Grilo.Mais recentemente,
participou em filmes como “Call Girl”, de António-Pedro Vasconcelos,
“Florbela” de Vicente Alves do Ó, “A Mãe é que Sabe”, de Nuno Rocha, e
“Submissão”, de Leonardo António.Ao longo
dos seus mais de 35 anos de carreira, e apesar das muitas requisições
para televisão, Maria João Abreu nunca deixou o teatro nem a revista,
uma das suas paixões, tendo coprotagonizado, em 2004, “A Rainha do Ferro
Velho”, de Garson Kanin, encenada por Filipe La Féria, no Teatro
Politeama.Por estes anos da primeira
década de 2000, entra em produções como "Tem a palavra a revista", "A
revista é liiiinda!", "Isto é Parque Mayer" e "Já viram isto?!", todas
no Teatro Maria Vitória, e em "O estádio da nação", no Teatro Sá da
Bandeira, no Porto, a que mais tarde se seguem comédias como "As
encalhadas", numa versão de Ana Bola, com Helena Isabel e Rita Salema,
"Eu conheço-te", de Heitor Lourenço, e "Pobre milionário", de Francis
Veber, com Miguel Guilherme.Num registo
diferente, por entre as várias produções de comédia e de revista desta
altura, fez também, nos Artistas Unidos, "Cada dia a cada um a liberdade
e o reino", uma conceção de Jorge Silva Melo a partir de textos Almeida
Garrett, Passos Manuel, Sá Carneiro, Henrique de Barros e Sophia de
Mello Breyner Andresen, entre outros autores.Em
2012, protagonizou a peça “O Libertino”, de Eric-Emmanuel Schmitt,
dirigida por José Fonseca e Costa, no Teatro da Trindade, contracenando
com José Raposo, Custódia Gallego e Filomena Cautela, depois de o
projeto não ter chegado a cena, no Teatro Nacional D. Maria II, como
previsto.Dois anos mais tarde, Maria João Abreu entrava na ‘revista-musical’ “Portugal à gargalhada”.Ainda
em 2014, quando passavam 40 anos sobre o 25 de Abril, participou na
encenação de "Coragem hoje, abraços amanhã", de Joana Brandão, peça
concebida sobre testemunhos, cartas e memórias de mulheres presas e
torturadas pela PIDE, a polícia política da ditadura do Estado Novo. Na
mesma altura, foi uma das "Mulheres de Abril", no episódio da série "Uma
Calma e Lânguida Primavera", dirigido por Henrique Oliveira.No
percurso da atriz, nos palcos, seguiram-se "Uma mulher sem
importância", a partir de Oscar Wilde, no Teatro Maria Matos, em 2015, e
"Boas pessoas", de David Lindsay-Abaire, no Teatro Aberto, em 2016.A
sua última participação no teatro aconteceu em 2019, quando
protagonizou “Sonho de uma noite de verão”, no Tivoli, contracenando com
José Raposo, de quem estava já divorciada, e com Miguel Raposo, um dos
filhos do casal.Era também com o ex-marido
que contracenava na telenovela “A Serra” e na série “Patrões fora”,
ambas atualmente em gravações e em exibição."Golpe
de Sorte", "Sul", "Paixão", "Amor Maior", "A Casa é Minha", "Mar
Salgado", "Os Nossos Dias", "Mundo ao Contrário", "Sentimentos",
"Feitiço de Amor", "Jardins Proibidos" e "Morangos com Açúcar" foram
outras produções televisivas que contaram com a sua atuação.Maria
João Abreu esteve casada 23 anos com José Raposo, de quem teve dois
filhos, Miguel Raposo e Ricardo Raposo. Voltou a casar-se em 2012 com o
músico João Soares.Nascida em Lisboa, a 14
de abril de 1964, Maria João Gonçalves Abreu Soares era oriunda de
famílias humildes e começou a trabalhar muito cedo, o que fez dela uma
criança muito madura, que não sabia brincar, que tinha pânico de falhar e
uma grande necessidade de sentir amor”, como a própria confessou em
entrevista.A atriz contou recordar-se de
procurarem “tostões nas gavetas”, para conseguirem comprar um quilo de
arroz para o jantar, de a mãe trabalhar muito, e de ela ter feito o seu
primeiro arroz de tomate aos oito anos.Em novembro de 2020, Maria João Abreu perdeu o pai, que morreu em plena pandemia, aos 78 anos, vítima de covid-19.No
dia 30 de abril - cinco meses depois da morte do pai e apenas 16 dias
após ter feito 57 anos -, a atriz sentiu-se indisposta durante as
gravações da telenovela “A Serra” e desmaiou, tendo sido internada de
urgência no Hospital Garcia de Orta, em Almada, com diagnóstico de
rotura de aneurisma cerebral.