Uma viagem à memória de Sérgio Paulinho 20 anos depois da prata olímpica
Euro 2024
7 de jul. de 2024, 09:08
— Ana Marques Gonçalves/Lusa
“O
momento que se deu a fuga, depois o momento em que há uma conversa
entre mim e o [Paolo] Bettini de nos entreajudarmos para chegarmos os
dois ao fim. E, depois, ali o último quilómetro tentar arranjar a melhor
maneira para ver se conseguiria bater o Bettini, porque ele naquela
altura era o melhor a nível mundial em corridas de um dia. A minha ideia
era sempre tentar surpreendê-lo. Então, todas essas memórias ainda
estão bastante presentes”, revela.Enumerando
os momentos de uma jornada que começou “como um dia normal” e que até
podia nem ter acontecido, Sérgio Paulinho vai revisitando aquele 14 de
agosto de 2004, quando o ciclismo português conquistou a única medalha
olímpica da sua história. “Nunca era para
fazer a prova de estrada – quem era para a fazer era o José Azevedo -,
mas o Tour tinha acabado uma semana antes, mais ou menos, ou duas, já
não me recordo, e o Zé sentia-se bastante cansado. Não se sentia em
condições, e eu era o primeiro reserva”, conta em entrevista à agência
Lusa.Inicialmente ‘escalado’ apenas para o
contrarrelógio, o antigo corredor, agora com 44 anos, partiu para a
prova de fundo com a missão de ajudar Cândido Barbosa, então “um dos
melhores ciclistas portugueses”. “A partir
do momento em que o Cândido desiste, estava eu e o Nuno [Ribeiro] e, se
não me engano, o Gonçalo [Amorim] em corrida ainda, e tentámos fazer o
melhor em prol de Portugal. Consegui estar no momento certo, na hora
certa, na frente, quando se fez a decisão da corrida”, sublinha. Num primeiro momento, no entanto, não pensou que seria daquela iniciativa que sairiam as medalhas. “A
única coisa que me passava pela cabeça era tentar colaborar o máximo
possível com o Bettini. […] Quando passamos pela meta na última volta,
aí temos a perceção de que podemos chegar ao fim, mas sempre com a
mentalidade de que ainda falta a subida [ao monte] Lykavittos. O meu
medo era não conseguir aguentar a roda do Bettini, descolar e, depois,
ser apanhado pelo grupo que vinha em perseguição. O meu objetivo ali era
conseguir aguentar a roda do Bettini na subida e a partir dali foi
quando me começou a cair um pouco a ficha de que poderia lutar pelas
medalhas”, relata. No primeiro momento, quando cortou a linha de chegada, Paulinho não compreendeu logo aquilo que lhe tinha acabado de acontecer. “Sento-me
no chão, encostado a uma barreira. Lembro-me de chegar o Nuno Ribeiro,
que vinha logo no grupo perseguidor, depois de me levantar e, quando
começo a ver o selecionador, José Poeira, vir em direção a mim a chorar,
aí é quando começo a cair um pouco na realidade. A realidade mesmo,
quando me caíram as fichas todas, foi quando comecei a ir para a
cerimónia do pódio. A partir dali, sim. Foi a cerimónia do pódio, a
conferência de imprensa, uma coisa que nunca me tinha acontecido, e a
chegada à Aldeia Olímpica”, enumera de sorriso no rosto.O
oeirense de 44 anos garante que nunca sentiu frustração por não ser
campeão olímpico, uma vez que estava a lutar “contra o melhor do mundo”
em provas de um dia, com Paolo Bettini a acabar por ser a melhor e a
pior das companhias para aquela jornada que reviu, se calhar, “uma ou
duas vezes”.“Eu, os resultados que eu
faço, tenho-os na memória e não gosto de os rever novamente. Gosto de
ficar com aquele momento na memória e é aquele momento que fica para o
resto da vida. Não gosto de estar a reviver momentos passados”, admite,
confessando também que só o facto de ter podido discutir o ouro com o
italiano “já foi uma vitória”.A medalha
olímpica valeu-lhe o ‘salto’ para o pelotão internacional, com passagem
por equipas emblemáticas como Liberty Seguros-Würth (2005-2006),
Discovery Channel (2007), Astana (2008-2009) e RadioShack (2010-2011),
antes de ingressar na Tinkoff - de onde saiu em 2016 para regressar ao
ciclismo nacional -, e construiu uma reputação como gregário de luxo. Foi
nesses anos que ganhou uma etapa na Vuelta (2006) e outra na Volta a
França (2010), um triunfo que equipara à sua prata olímpica.“Eu
ponho dois momentos [como melhores da carreira]: a medalha nos Jogos e a
vitória no Tour, porque o Tour é o Tour. É, para nós ciclistas, a
melhor corrida a nível mundial e em que toda a gente quer estar a 100%.
Mesmo aqueles que não vão lutar por um lugar na geral vão lutar por
etapas. Ou seja, são 21 etapas para quase 200 corredores, então essa
vitória no Tour também foi um dos melhores momentos da minha carreira”,
sustenta.