Uma semana depois do furacão, ilha do Faial recupera com o apoio de todos
9 de out. de 2019, 10:48
— Lusa/AO Online
Há uma semana, metiam-se trancas às portas, na esperança de que fosse suficiente para travar a força do mar. Mas não foi.À
entrada da baía do Porto Pim está o restaurante Genuíno, que é já um
marco na zona. Genuíno Madruga, o dono, é um homem do mar, já correu o
mundo num solitário e as provas decoram as paredes e as mesas do
restaurante que abriu há cinco anos.Sabe
que, ali, “o mar, por vezes, não é brincadeira nenhuma”. Por isso, teve
“em conta todo este passado” quando construiu o edifício. Do
estabelecimento ao mar distam oito metros, mas, por precaução ou sorte, o
mar não entrou.Ainda assim, a noite que
inaugurou o mês de outubro “foi para não esquecer”, afirma o navegador.
“Assim que foi possível chegar ao restaurante, pelas sete da manhã, não
era possível ficar aqui. O mar e o vento eram de tal forma, que não era
possível”, conta.“A gente aqui vive no
Atlântico Norte, portanto, mais ano menos ano, mais mês menos mês, vamos
assistir a estas situações. Tanto mais com estas alterações que existem
– efetivamente existem, não é só conversa –, as alterações do clima, é
bom que as pessoas estejam atentas, porque vão surgir fenómenos destes
com mais intensidade e com mais frequência”, diz também.Desta
vez, o seu restaurante escapou à tragédia que assolou muita da
vizinhança, mas admite que “a força da natureza é muito superior àquilo
que a gente pode imaginar"."Mesmo construindo edifícios à prova de tudo, há de chegar o dia em que aquilo não vai ser suficiente”, garante.Igor
Andrade trabalha, há cerca de uma semana, numa padaria no Porto Pim.
Mora na Matriz, que não foi muito afetada pelas intempéries. Na manhã de
quarta-feira passada, acordou por volta das 10h00 e juntou-se à
família, que, reunida na sala, acompanhava pela televisão os
acontecimentos.“As ruas estavam todas
destruídas, cheias de lixo, madeiras, cadeiras, houve casas que ficaram
sem telhas, as mobílias a flutuar”, conta Igor.Ao
ver aquele cenário, ligou à avó, que mora ali mais à frente. A avó de
Igor tinha “o teto a pingar”, mas recorreu ao Facebook e ao Instagram
para apelar a que a ajudassem com telhas “e, em menos de um dia, ficou
resolvido”, adianta.O jovem destaca que, depois da tempestade, “uniram-se todos para se ajudar uns aos outros"."Deram comida, roupa, tiveram a ajudar a limpar a praia”, relata.É essa união e o sentido de comunidade que vale a quem viu o mar entrar pela porta adentro.Foi
o caso das vizinhas Maria de Jesus e Hermínia Santos, que moram em
frente ao Portão do Porto Pim e viram as ondas a galgar por cima da
imponente estrutura.A noite foi passada em
branco. Até às 04h00, as vizinhas iam trocando mensagens, para saber se
precisavam de alguma coisa, mas, a certa altura, as mensagens pararam. “Eram
08h15, eu já tinha água pela cintura”, afirma Hermínia. “Por dentro da
porta, via, acima da minha cabeça, a água do mar cá fora. Ali a
estatueta do dr. Luís Decq Mota estava tapada. Não se via nada. Isto
aqui parecia o mar”, narra a moradora.Maria
de Jesus mora naquela casa há 33 anos. “O mar já me bateu muita vez à
porta, mas nunca entrou. Não como desta vez. Fica gravado na memória”,
atira.A água causou-lhe estragos em todo o
rés-do-chão. Ativou o seguro, mas o montante que lhe foi atribuído, de
3.800 euros, não chega para os prejuízos, que estima que ascendam aos
dez mil euros e, por isso, vai contestar.Por agora, conta com o apoio da vizinhança que “tem sido incansável"."Não há palavras”, reitera.Uma
ajuda que é essencial para a vizinha, Hermínia Santos, que não tem
seguro do recheio da casa. Até agora, já lhe ofereceram um frigorífico,
uma máquina de lavar roupa, um móvel que, infelizmente, era grande
demais para a sua sala, e coisas mais pequenas, como lençóis.“O que tem feito mais falta tem sempre aparecido, sempre”, sublinha.Sofia
Pereira, uma jovem de 23 anos, perdeu o atelier onde produzia
artesanato, bem como muito do que tinha no rés-do-chão da casa onde vive
com a avó.“A noite correu bem”, considera
a artesã: “Desde as duas da manhã, andava a enxugar a água que entrava
por debaixo da porta. Meti cobertores, meti várias coisas para ir
enxugando a água, para não passar para o resto da casa” conta. Um
procedimento que várias tempestades já a tinham habituado.O
pior veio de manhã. “Às 07h05, a porta rebenta. A parte debaixo, a
almofada da porta, rebentou. Era uma porta de alumínio e rebentou por
baixo. Eu vim parar cá atrás ao quintal. A minha preocupação foi segurar
a porta de madeira da casa, para proteger o atelier. Quando eu olho
para a rua e começo a ver as minhas coisas todas já a boiar, a porta da
garagem já tinha rebentado. A partir daí, não havia nada a fazer”,
relata.Sofia não tem seguro. O que se
antevê é “trabalho de anos, não é de uma semana, nem duas, nem três”,
para recuperar o que perdeu. Resta-lhe a ajuda, que conta que chegou até
de antigas professoras.Criou, também, uma
petição no Facebook, em que espera conseguir angariar dois mil euros,
que serão, também, canalizados para adquirir as máquinas de que precisa
para trabalhar. Mas, até agora, conseguiu apenas 150 euros.“Perdemos
as duas coisas. Nem uma coisa, nem a outra: nem o trabalho para
recuperar a casa, nem a casa para ajudar a incentivar para alguma
coisa”, lamenta.A passagem do furacão
“Lorenzo” pelos Açores, na madrugada e manhã de quarta-feira, dia 02 de
outubro, provocou mais de 250 ocorrências e obrigou ao realojamento de
53 pessoas.