Uma em cada seis crianças açorianas da Ribeira Grande abandona ou falta à escola
22 de jun. de 2024, 08:04
— Silvia Maia/Lusa
Os
Açores são a segunda região da Europa com a maior taxa de abandono
escolar precoce (21,7%), um fenómeno que se mede contando os jovens
entre os 18 e os 24 anos que deixaram de estudar antes de terminar o
ensino secundário. Mas este é o resultado
de um conjunto de situações que começam muitos anos antes, salientou à
Lusa o sociólogo Fernando Diogo, apontando o insucesso escolar e o
absentismo como primeiros sinais de perigo. Na
Ribeira Grande, há inúmeros casos de abandono logo nos primeiros anos
de escola, observou o presidente da autarquia, Alexandre Gaudêncio, em
entrevista à Lusa.À frente do concelho que
“lidera as estatísticas pela negativa”, o autarca pediu um estudo que
detetou um “fenómeno completamente novo” e preocupante: “Temos uma taxa
de abandono e absentismo no 1.º ciclo de 16%, o que não é de todo
comum”. O fenómeno é mais visível nas
vilas piscatórias de Rabo de Peixe e Porto Formoso, entre os alunos de
famílias mais pobres, muitas a viver em bairros sociais construídos pela
autarquia.Na Escola Básica Integrada de
Rabo de Peixe avançam-se explicações para um abandono tão elevado. O
presidente do conselho executivo, André Melo, lembrou que o levantamento
foi feito “num ano atípico”, no pós-pandemia, depois de os alunos terem
estado fechados em casa.Quando as escolas
reabriram, os pais continuavam receosos “e o regresso às aulas foi
muito gradual”, disse, assegurando que a situação melhorou e que os
casos atuais se devem, essencialmente, à emigração.Ali,
as crianças começam a faltar no 5.º ano, mas o “grande problema é no
3.º ciclo”, quando “muitos alunos têm pouca motivação para vir para a
escola”, reconheceu. Em Rabo de Peixe, ninguém estranha ver um aluno a
deambular pelos corredores quando deveria estar na aula ou a anunciar
que se quer ir embora antes do tempo. A
literatura aponta várias razões para não querer estar na escola,
sublinhou Fernando Diogo, também professor da Universidade dos Açores e
investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS).Quando
os jovens são diariamente confrontados com as suas dificuldades, tendem
a querer desistir, explicou o professor. Nestes casos, a família pode
fazer a diferença. Pais com pouca
escolaridade e dificuldades em ver a escola como um meio para uma vida
melhor estão também muitas vezes associados ao abandono, acrescentou o
investigador.O “primeiro plano municipal
de combate ao absentismo e abandono escolar”, apresentado no início
deste ano letivo, prevê que sempre que “um aluno não aparece há algum
tempo na escola deverá ser comunicado imediatamente ao município”, que
envia para casa da criança um técnico de serviço social para tentar
perceber o que se passa, explicou o autarca.Alexandre
Gaudêncio disse que estes técnicos já foram chamados pela escola de
Rabo de Peixe: “Vivemos numa ilha que não é assim tão grande e num
concelho em que conhecemos praticamente toda a gente”, afirmou,
sublinhando que os técnicos conhecem praticamente todas as famílias e,
“às vezes, basta uma chamada de atenção para resolver o problema”. A
taxa de abandono escolar precoce nos Açores (21,7%) é quase três vezes
superior à media nacional (8%), segundo dados do Instituto Nacional de
Estatística. Uma diferença que o sociólogo Fernando Diogo disse que
“ninguém consegue explicar” e por isso avançou com um projeto, que tem
como hipóteses as características do tecido social dos Açores, onde há
mais pobreza e menos escolaridade base da população.Mais
de um em cada quatro açorianos vivia em situação de pobreza em 2022
(26,1%), enquanto o valor a nível nacional era de 17%, recordou Fernando
Diogo. Se no continente, a maioria da
população tem no mínimo o 9.º ano, nos Açores é exatamente ao contrário:
A maioria deixou de estudar antes de chegar ao 7.º ano, relatou à Lusa a
Secretária Regional de Educação, Sofia Ribeiro. O
Governo Regional dos Açores apresentou no mês passado a “Estratégia da
Educação” que tem como objetivo reduzir a taxa de abandono escolar
precoce de 21,7% para 15% até 2030 e aumentar a percentagem da população
com pelo menos o 9.º ano.