Um sucesso da Rússia na guerra será exemplo seguido noutros países
Ucrânia/1 ano
22 de fev. de 2023, 08:21
— Lusa/AO Online
A
justificação que a Rússia dá relativamente à invasão da Ucrânia a 24
de fevereiro de 2021 “pode ser profundamente desestabilizadora”,
sublinhou Joseph Siegle, diretor do Africa Center for Strategic Studies
(ACSS), um instituto de análise em Washington financiado pelo Congresso
norte-americano, que interroga: “Porque é que a Nigéria não haveria de
engolir alguns países vizinhos? Porque é que o Sudão não haveria de
expandir as suas fronteiras?"“O que
acontecer na Ucrânia terá implicações profundas na influência russa em
África e em todo o mundo. Além das questões territoriais entre a Ucrânia
e a Rússia, Moscovo está a desafiar a ordem mundial e as convenções
internacionais. Se tiverem sucesso, isso abrir-lhes-á as portas para
fazerem o mesmo noutro local, assim como deixará o caminho aberto a
outros países para seguirem este exemplo”, reforçou o investigador. Segundo
o diretor do ACSS, a Rússia está empenhada em introduzir perturbações,
“garantindo os seus interesses, mas também está a tentar passar uma
ameaça aos interesses ocidentais”. Como
exemplos, Siegle aponta a tentativa de Moscovo “cimentar uma presença na
região do Norte de África, incluindo a instalação de uma base naval na
Líbia”, intenção noticiada reiteradamente há, pelo menos, uma década e
meia, mas a que o Ocidente nunca deixou de dar crédito. Uma
base naval na Líbia – e outra no Sudão, também noticiada várias vezes
há anos, pelo menos desde a deposição em 2019 do ex-ditador Omar
al-Bashir, por um golpe militar apoiado por Moscovo – “colocaria a
Rússia em posição de perturbar o tráfego marítimo mundial através do
Canal do Suez”, pelo qual passa anualmente 12% do comércio mundial e 90%
do petróleo que abastece a América do Norte e o Sudeste Asiático,
sublinhou Joseph Siegle. Mais concreta e
com desenvolvimentos significativos no último ano, é a instabilidade
criada no Sahel, que, na perspetiva do mesmo investigador, “representa
uma perturbação significativa para a Europa devido às migrações” –
questão igualmente central na disputa de influências entre a Rússia e o
Ocidente na Líbia - e “à atividade de grupos extremistas islâmicos
violentos”.“Há vários líderes golpistas
africanos que têm recebido o apoio da Rússia”, nomeadamente no Mali e no
Burkina Faso, além do Sudão, sendo que "Moscovo tem conseguido reforçar
a sua influência efetiva em África no último ano através de meios
não-convencionais”, aponta Siegle. “Estão a
fazê-lo através de meios que chamo assimétricos, promovendo ou
protegendo líderes africanos autoritários. A Rússia oferece-lhes
proteção, patrocinando-os politicamente nas Nações Unidas, ao mesmo
tempo que está a deslocar forças [paramilitares privadas] do Grupo
Wagner para vários destes países”, acrescentou. Paul
Nantulya, também investigador no ACSS, coloca em perspetiva a presença
do Grupo Wagner em países como a República Centro-Africana, Mali,
Burkina Faso, Líbia e outros não confirmados, como a República
Democrática do Congo e o Sudão, considerando-a uma ameaça à “arquitetura
de segurança africana de paz e segurança”.“Pode
provocar-se uma mudança estrutural num sistema internacional, ou num
subsistema, através da violência, e é isto que o Grupo Wagner está a
fazer no Sahel”, alertou Nantulya.Dois
países nesta região, Mali e Burkina Faso, foram notícia no último ano
por expulsarem dos seus territórios as forças francesas integradas na
Operação Barkhane, no primeiro caso, e na Operação Sabre - a bandeira
francesa foi arreada este domingo no Campo Bila Zagré, em Kamboincin,
nos arredores de Ouagadougou - no segundo, ao mesmo tempo que abriram as
fronteiras à presença do Grupo Wagner e estão a lançar acordos de
cooperação militar com Moscovo.O Mali tem
igualmente sido notícia recorrente por dificultar a atuação e reduzir a
margem de manobra da missão das Nações Unidas no país, a MINUSMA. Já o
Burkina Faso, expulsou em dezembro a coordenadora da ONU no país, a
diplomata italiana Barbara Manzi, que classificou como “persona non
grata”.“Esta é uma região fortemente
desestabilizada pelo extremismo islâmico, combatido desde há quase uma
década não apenas por atores franceses e outros, nomeadamente africanos,
como é exemplo a força conjunta do G5 Sahel” – financiada pela União
Europeia e inicialmente formada pela Mauritânia, Chade, Burkina Faso,
Níger e até maio pelo Mali, que a abandonou também – e cuja estrutura
foi destruída no último ano, por influência direta do Grupo Wagner e
indireta da Rússia, disse Paul Nantulya.Para
o investigador, “é importante sublinhar que o Grupo Wagner está a
ameaçar perigosamente a arquitetura africana de paz e segurança da União
Africana (UA) e das Nações Unidas”.“Os
estados de África beneficiam de uma arquitetura de paz e segurança no
quadro da UA, que lhes permite enfrentar a instabilidade dentro das suas
fronteiras, uma vez seguidos certos procedimentos para obterem
assistência e solicitando o destacamento de uma força”. Segundo
Nantulya, “os países africanos levaram 25 anos a construir a
arquitetura africana de paz e de segurança, que ainda é fraca, mas está a
desenvolver-se, e o Grupo Wagner está a destruí-la”.