Autor: Rui Jorge Cabral
Filipe Moura tem 42 anos e é topógrafo de profissão. Natural da Praia da Vitória, na ilha Terceira, reside atualmente na freguesia dos Altares, no Concelho de Angra do Heroísmo.
Desde muito novo que Filipe Moura
descobriu ter uma grande habilidade para a mecânica. “Comecei por
arranjar as bicicletas dos meus amigos”, recorda. Depois, vieram as
motas e foi com uma das famosas ‘DT50’ da Yamaha que começou a fazer as
suas primeiras ‘canadas’, ou seja, a praticar a sua destreza em caminhos
secundários.
O passo seguinte foi os ralis quando, juntamente com
amigos, começou a prestar serviços como mecânico nas provas realizadas
na Terceira no tempo “em que ainda se faziam as assistências na
estrada”.
Em 2002, Filipe Moura passou de fora para dentro do carro,
como navegador e, a partir de 2008, passa para o volante, com o seu
famoso Toyota Starlet, um clássico de tração atrás que comprou por 25
contos (125 euros) a dois estudantes universitários em 1994.
O
Toyota Starlet, hoje já bastante modificado mecanicamente por Filipe
Moura, é “uma máquina fabulosa em que uma pessoa às vezes vai a 60
quilómetros por hora e pensa que vai a 200”.
De 2012 para cá, as
suas participações em ralis, sempre na ilha Terceira, têm sido
esporádicas, ao mesmo tempo que regressou, também esporadicamente, ao
banco do lado direito até abraçar, em 2015, o projeto de produção
artesanal de cerveja, com uma ‘microcervejeira’, tal como é oficialmente
designada, instalada na freguesia dos Altares.
Dos seus melhores
tempos nos ralis, Filipe Moura recorda com saudade o seu percurso,
porque “tive uma evolução natural e ideal para estar nos ralis, que foi
primeiro começar a conhecer os custos, as dificuldades e a mecânica, até
poder ter uma estrutura minimamente fiável para arrancar com os ralis,
depois de ter andado ao lado, para perceber os andamentos e onde é que
se arriscava e não se arriscava”.
O projeto da cerveja artesanal –
que tem hoje duas marcas, a Brianda (estilo Pilsener) e a Peter
Francisco (estilo Belgian Gold Strong Ale, uma cerveja mais forte) –
começa há uma década atrás, embora só se tenha concretizado, com a
entrada em produção, em 2015.
Este é um projeto que surge da
associação entre Miguel Teixeira, que é engenheiro de produção alimentar
e que desenvolveu as receitas desta cerveja artesanal produzida na
Terceira e Filipe Moura, que é responsável pelos equipamentos e
manutenção da linha de produção da cerveja, com algumas máquinas feitas
por ele próprio, também de forma artesanal.
Tudo começou numa
conversa de café entre amigos em 2011 e “depois de termos produzido os
primeiros 20 litros, nunca mais voltámos atrás”, recorda Filipe Moura.
Até porque, lembra, quando andávamos na garagem a brincar às cervejas,
tínhamos muitas ‘cobaias’, podendo afinar e trabalhar as receitas
conforme o feedback que íamos tendo”.
Em 2014, os dois sócios montaram o projeto para começar a produzir a cerveja Brianda a partir de 2015.
Atualmente,
esta microcervejeira está presente sobretudo no mercado da Terceira, ao
nível dos supermercados e da restauração, mas começa aos poucos a
expandir-se para outras ilhas do Grupo Central e Ocidental e também para
a ilha de São Miguel, onde já tem um ponto de venda, pretendendo
“abranger mais mercado”, o que vai também obrigar a um “aumento de
produção” face aos 1250 litros por mês produzidos atualmente, salienta
Filipe Moura.
E se o projeto da produção de cerveja artesanal
retirou muito do tempo para Filipe Moura se dedicar aos ralis por
dentro, a sua paixão de infância falou mais alto quando, em 2018, criou
aquela que entretanto se tornou na maior atração dos ralis na ilha
Terceira: o Altares Crest, designação inglesa para ‘lomba’ nos ralis. O
Altares Crest vai buscar a sua inspiração ao famoso ‘Colin’s Crest’, um
espetacular salto na classificativa de Vargasen, no Rali da Suécia,
feito em memória do falecido e carismático piloto britânico, Colin
McRae, campeão do mundo de ralis em 1995.
Filipe Moura teve
oportunidade de ver o Rali da Suécia, uma prova clássica do Campeonato
do Mundo de Ralis, há uns anos atrás e esteve no ‘Colin’s Crest’. Ficou
impressionado com o ‘espetáculo dentro do espetáculo’ que viu e onde
mesmo os ‘frios’ suecos fazem uma festa de fazer inveja aos portugueses,
enquanto se divertem a ver os carros a saltar com as quatro rodas no ar
durante mais de 40 metros.
“Estive lá e vi o ambiente que se vive ali, onde até na neve e com uma pá por cima de três troncos a arder, se assam salsichas”, recorda Filipe Moura.
Regressado à sua freguesia
dos Altares, pensou em fazer algo parecido, que alimentasse a sua paixão
pelos ralis, ainda que do lado de fora e não de dentro. “Eu sou feliz
porque o rali passa-me à porta de casa e aquele salto dos Altares foi
descoberto quando um amigo meu passou ali com um Nissan Micra e quase o
‘desmontava’ quando aterrou... Eu disse então: humm, isto dá salto! E
vamos fazer aqui qualquer coisa”, recorda Filipe Moura.
Também como
no Rali da Suécia, os saltos dos pilotos são medidos para ver quem
ganha no ‘Altares Crest’, mesmo que não ganhe o rali.
O recorde
atual do Altares Crest pertence ao piloto do Team Play/AutoAçoreana
Racing, Diogo Gago, navegado por Victor Calado, que saltou 22 metros e
75 centímetros com o Citroën C3 R5 no Rali Ilha Lilás de 2019.
Conforme
recorda Filipe Moura, com um grupo de amigos ‘carolas’ dos ralis,
“fomos para o meio da mata, preparámos aquilo tudo e fui falar com dois
ou três patrocinadores”.
A ideia, para quem gosta de ralis e sabe a festa que muitos grupos de adeptos fazem na estrada, não podia ser mais perfeita: proporcionar uma zona espetáculo na passagem dos carros, com ótimas condições de visibilidade e com cerveja e churrasco à discrição para 500 pessoas... Isto, claro, com recipientes de lixo e separação de resíduos, para que nada fique no chão a não ser as marcas da borracha dos pneus dos carros de rali. O sucesso da iniciativa foi grande e o Altares Crest veio para ficar, quando a pandemia deixar que as competições automobilísticas regressem às estradas dos Açores e sempre no mesmo espírito apaixonado pelos ralis.
Até porque e conforme
recorda Filipe Moura, foi com uma alegria de criança que ele viu passar o
primeiro carro de ralis a fundo no Altares Crest: “quando fomos com
isto para frente, a maior parte das pessoas dizia-me que os carros não
iriam saltar e não valia a pena o trabalho que tivemos para fazer ali um
anfiteatro natural, mas na primeira vez que um piloto passou lá, que
foi o Luís Rego Jr., e deu um grande salto, eu vim para o meio do
caminho e parecia uma criança a saltar e a esbracejar... Essa imagem
traduz o que foi a concretização do Altares Crest”, conclui.