Um começo difícil com guerra na Ucrânia, inflação galopante e crises internas
Governo/100 dias
7 de jul. de 2022, 10:42
— Lusa/AO Online
“Estamos ainda
a enfrentar a pandemia, a sarar as feridas que abriu, e já temos de
combater os efeitos da guerra desencadeada pela Rússia com a invasão da
Ucrânia. A guerra, não o escondamos, acrescenta um enormíssimo fator de
incerteza às nossas vidas, à nossa economia familiar, à saúde das nossas
empresas e, por isso, aos nossos empregos”, preveniu António Costa logo
no discurso de posse do XXIII Governo Constitucional a 30 de março.No
fim de maio, o Governo fez aprovar no parlamento em votação final
global a sua proposta de Orçamento do Estado para 2022, cujo chumbo em
outubro do ano passado provocou uma crise política e a convocação de
eleições legislativas antecipadas, que o PS venceu a 30 de janeiro com
maioria absoluta.Com a guerra na Ucrânia, o
Governo procedeu nesse Orçamento à atualização do cenário
macroeconómico, mas mesmo assim apontou para uma previsão otimista da
inflação na ordem dos 4%, partindo da convicção (partilhada com o Banco
Central Europeu) de que este fenómeno seria conjuntural e que conheceria
um abrandamento a partir do segundo semestre do ano.Para
junho, o Instituto Nacional de Estatística (INE) estima já uma taxa de
inflação de 8,7%. Em paralelo, os juros da dívida nacional atingem os
2,3 - o valor mais alto desde setembro de 2017, acompanhando a tendência
da zona euro.Apesar das críticas de todas
as forças da oposição, o Governo e PS têm recusado qualquer aumento
suplementar de salários e de pensões, sustentando a tese de que essa via
contribuiria para gerar uma espiral inflacionista no país. Em
sucessivas intervenções públicas, o ministro das Finanças, Fernando
Medina, tem também alertado para o perigoso impacto da subida dos juros
num país endividado como Portugal, defendendo que a solução tem de
passar por uma rápida consolidação orçamental, com descida significativa
do défice e do peso da dívida em percentagem do PIB.Em
alternativa, como resposta à inflação, o Governo apostou em medidas de
“mitigação” dos aumentos dos preços, sobretudo nos combustíveis, com uma
descida do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), e na concessão de
apoios diretos às empresas do ramo agroalimentar ou grandes
consumidoras de energia e a famílias mais carenciadas (o cabaz alimentar
de 60 euros em cada três meses).Na frente
europeia, em conjunto com a Espanha, Portugal conseguiu fazer aprovar
um mecanismo para estabelecer um preço máximo para o gás natural usado
na produção de eletricidade.No entanto, a
oposição continua a considerar insuficiente o impacto global destas
medidas e denuncia a perda de poder de compra da generalidade dos
cidadãos.Além da difícil conjuntura
externa económico-financeira, o Governo confrontou-se com situações de
caos nos aeroportos por causa da falta de elementos do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF), força de segurança que o executivo
socialista prevê extinguir a prazo.No
final de maio, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro,
anunciou um plano de contingência para evitar bloqueios nos atendimentos
dos aeroportos – plano que na segunda-feira passada atingiu a "máxima
afetação" em termos de agentes envolvidos e que também passou pela
adoção soluções tecnológicas para evitar facilitar o fluxo de
passageiros.Já na saúde, a partir do fim
de semana prolongado do Dia de Portugal, 10 de Junho, vários serviços de
urgência em diversos pontos do país começaram a encerrar por falta de
médicos. Estas falhas ao nível da cobertura nos serviços de urgência
levaram o PSD e o Chega a pedir a demissão da ministra Marta Temido,
enquanto Bloco e PCP protestaram contra a falta de investimento do
Governo no Serviço Nacional de Saúde (SNS).Tal
como José Luís Carneiro, também Marta Temido anunciou como resposta um
plano de contingência para o período do verão, a par de uma comissão de
acompanhamento para monitorizar as capacidades dos serviços de urgência
hospitalares e de uma negociação sindical para aumentar as remunerações
dos médicos que acumulam muitas horas de urgência.Nesta
questão, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou
esperar que estes problemas sejam pontuais e registou que o
primeiro-ministro reconheceu os problemas no setor da saúde.Já
na semana passada, aconteceu talvez o mais grave problema interno nas
equipas governativas formadas por António Costa desde novembro de 2015.No
passado dia 29, a dois dias do início do congresso do PSD, que marcou a
entrada em funções do novo presidente Luís Montenegro, o ministro das
Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, fez publicar por via de um seu
secretário de Estado um despacho sobre a futura solução aeroportuária
para a região de Lisboa sem aparente conhecimento do primeiro-ministro,
que se então se encontrava na cimeira da NATO em Madrid.Nessa
mesma noite, em entrevistas na RTP e na SIC Notícias, Pedro Nuno Santos
assumiu as soluções de construção imediata do aeroporto do Montijo e
mais tarde do aeroporto de Alcochete. Mas foi Pedro Nuno Santos foi
ainda mais longe: Contrariou frontalmente a posição de António Costa,
segundo a qual esta matéria requer um consenso com o maior partido da
oposição, e assumiu que o Presidente da República não tinha sido
consultado sobre essa solução.Na manhã
seguinte, antes de regressar a Lisboa, o primeiro-ministro determinou ao
ministro que revogasse o seu despacho e reiterou que a solução do
aeroporto deveria partir de um consenso com o PSD, acrescentando, ainda,
que se trata de uma matéria em relação à qual o Presidente da República
tem de ser informado.Face ao teor da
posição de António Costa, a generalidade dos observadores políticos
antecipou que este caso terminaria com a demissão do ministro, mas isso
não aconteceu.Já em Lisboa, António Costa
recebeu Pedro Nuno Santos. Este regressou logo a seguir ao seu
ministério, fez uma declaração pública a admitir “uma falha relevante”
da sua parte, pediu desculpas aos seus colegas de Governo e adiantou que
continuaria em funções.Pouco depois, foi a
vez de António comparecer perante os jornalistas para explicar a sua
decisão. Salientou que Pedro Nuno Santos tinha cometido “um erro grave”,
mas que foi “prontamente corrigido”, manifestou a convicção de que o
seu ministro não tinha agido de “má-fé” e, como tal, a “confiança
política estava totalmente restabelecida”.A
concluir este episódio, o Presidente da República deixou um aviso: “É o
primeiro-ministro que, naturalmente, é responsável pela escolha, mais
feliz ou menos feliz, pela avaliação que a cada momento faz, mais feliz
ou menos feliz, dos seus colaboradores relativamente às melhores
hipóteses que têm para realizar os objetivos"."É tão simples quanto isto”, acrescentou.