Um ano depois do ataque, democracia dos EUA "em retrocesso"
Capitólio
5 de jan. de 2022, 12:24
— Lusa/AO Online
A 06 de janeiro de 2021 em Washington D.C.,decorria a sessão de ratificação
dos votos das eleições presidenciais ganhas pelo democrata Biden, quando
os distúrbios provocados no Congresso por manifestantes pró-Trump
degeneraram em violentos confrontos - primeiro no exterior do edifício e
depois no interior, obrigando os congressistas a barricar-se dentro da
sala - que chocaram um mundo habituado a ver na democracia
norte-americana um exemplo.Apenas na
madrugada do dia 07 de janeiro, com a capital norte-americana sob
recolher obrigatório, o Congresso ratificou a vitória de Joe Biden nas
eleições presidenciais de novembro, última etapa antes de ser empossado
em 20 de janeiro, sob fortes medidas de segurança ante o receio de
atentados.Por causa da sua ação na invasão
do Capitólio, Trump viria a ser julgado no seu segundo processo de
‘impeachment’ no Congresso, mas a maioria republicana permitiu que ele
fosse absolvido das acusações de “incitamento à rebelião”. A liderança
republicana recusou também participar numa investigação bipartidária aos
graves acontecimentos do Capitólio, e em particular ao papel incitador
de Trump. A mais recente pesquisa do
‘think thank’ europeu International IDEA sobre a democracia global
aponta os Estados Unidos como uma democracia em retrocesso, usando dados
recolhidos entre 2015 e o final de 2020. O relatório analisa o ataque
ao Capitólio a 6 de janeiro de 2021, mas esse não foi o motivo que levou
à avaliação.“O retrocesso está
principalmente ligado à erosão na capacidade do Congresso
norte-americano de verificar e investigar de forma eficiente o executivo
no poder (...). Um ano depois, a tendência no Congresso e a sua
capacidade de conduzir investigações e responsabilizar as pessoas
continua em falta”, disse à Lusa o especialista de avaliação democrática
Alexander Hudson. O especialista
considera que os partidos estão muito mais divididos e relutantes em
trabalhar juntos e que as regras processuais no Congresso levam à
paralisação da instituição. “Essa é uma
das razões pelas quais o Congresso foi menos eficaz nos últimos anos
(...). Ainda vemos uma situação em que o Congresso não consegue
investigar e responsabilizar as pessoas. Há pessoas como Steve Bannon
[ex-conselheiro de Trump] a recusarem-se a cooperar com a investigação”,
afirma Hudson. No que Hudson apelida de
“a Grande Mentira”, a teoria de que a eleição presidencial foi
manipulada, várias sondagens publicadas ao longo do último ano mostram
que a alegação está bem estabelecida entre o eleitorado conservador. Numa
das mais recentes, conduzida pela rádio pública NPR, 68% dos
republicanos disseram acreditar que atividades ilegais ou fraudulentas
mudaram o resultado da eleição presidencial de 2020. A mesma sondagem
indica que apenas 36% dos republicanos confiam na integridade das
eleições e apenas 38% dizem que vão acreditar que a eleição de 2024 será
credível se ganhar um democrata. “Temos
uma maioria forte e persistente de apoiantes do partido republicano a
acreditar que a eleição foi fraudulenta, o que é comprovadamente falso”,
disse Alexander Hudson. “É notável e preocupante que isso tenha persistido, e terá consequências no futuro”, acrescentou. Depois
de terem caído logo após o ataque ao Capitólio, os índices de
popularidade de Trump entre republicanos têm vindo a recuperar, para
mais de 85%, segundo uma recente sondagem da YouGov.Trump
chegou a ter previsto fazer declarações no dia de aniversário do ataque
ao Capitólio, onde Joe Biden irá discursar, mas na terça-feira acabou
por recuar da intenção, anunciando que irá pronunciar-se num comício a
15 de janeiro. Segundo a porta-voz da Casa
Branca, Jen Psaki, Biden "falará sobre o trabalho que falta ser feito
para garantir e fortalecer a democracia e instituições, para rejeitar o
ódio e as mentiras que vimos em 6 de janeiro, para unir o país".O
republicano foi o primeiro a anunciar uma conferência de imprensa a
partir da sua mansão na Flórida, ao mesmo tempo que o Congresso tem
previsto um momento de reflexão em Washington.Numa
referência ao dia das eleições presidenciais, que o ex-presidente acusa
de serem fraudulentas sem ter apresentado provas credíveis, Trump já
tinha referido anteriormente que “a insurreição aconteceu em 03 de
novembro de 2020”.Carl Tobias, professor
de direito da Universidade de Richmond, afirmou esta semana que "o
comportamento de Trump é indiscutivelmente sem precedentes na história
americana". "Nenhum ex-presidente tentou tanto desacreditar o seu sucessor e o processo democrático", disse.Segundo
Alexander Hudson, será importante a decisão do Tribunal Supremo sobre
se Trump pode ou não negar documentos à investigação do Congresso. “Estes
problemas institucionais no Congresso americano parecem persistir e
esta 'Grande Mentira' parece ter pernas para andar”, reforçou o
especialista. “Um ano depois, mais de dois terços dos republicanos
pensam que a eleição foi roubada”. “É
preocupante que as pessoas que cometeram atos ilegais e um ataque
violento ao Capitólio pensaram em si próprias como estando a proteger a
democracia”, sublinhou. “Isto é algo com que os americanos têm de
lidar”.