s
Capitólio
Um ano depois do ataque, democracia dos EUA "em retrocesso"

Um ano depois do ataque ao Capitólio dos Estados Unidos por apoiantes do ex-presidente Donald Trump que pretendiam impedir a confirmação da eleição de Joe Biden, o eleitorado permanece polarizado e especialistas identificam um "retrocesso" da democracia norte-americana.


Autor: Lusa/AO Online

A 06 de janeiro de 2021 em Washington D.C.,decorria a sessão de ratificação dos votos das eleições presidenciais ganhas pelo democrata Biden, quando os distúrbios provocados no Congresso por manifestantes pró-Trump degeneraram em violentos confrontos - primeiro no exterior do edifício e depois no interior, obrigando os congressistas a barricar-se dentro da sala - que chocaram um mundo habituado a ver na democracia norte-americana um exemplo.

Apenas na madrugada do dia 07 de janeiro, com a capital norte-americana sob recolher obrigatório, o Congresso ratificou a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais de novembro, última etapa antes de ser empossado em 20 de janeiro, sob fortes medidas de segurança ante o receio de atentados.

Por causa da sua ação na invasão do Capitólio, Trump viria a ser julgado no seu segundo processo de ‘impeachment’ no Congresso, mas a maioria republicana permitiu que ele fosse absolvido das acusações de “incitamento à rebelião”. A liderança republicana recusou também participar numa investigação bipartidária aos graves acontecimentos do Capitólio, e em particular ao papel incitador de Trump.

A mais recente pesquisa do ‘think thank’ europeu International IDEA sobre a democracia global aponta os Estados Unidos como uma democracia em retrocesso, usando dados recolhidos entre 2015 e o final de 2020. O relatório analisa o ataque ao Capitólio a 6 de janeiro de 2021, mas esse não foi o motivo que levou à avaliação.

“O retrocesso está principalmente ligado à erosão na capacidade do Congresso norte-americano de verificar e investigar de forma eficiente o executivo no poder (...). Um ano depois, a tendência no Congresso e a sua capacidade de conduzir investigações e responsabilizar as pessoas continua em falta”, disse à Lusa o especialista de avaliação democrática Alexander Hudson.

O especialista considera que os partidos estão muito mais divididos e relutantes em trabalhar juntos e que as regras processuais no Congresso levam à paralisação da instituição.

“Essa é uma das razões pelas quais o Congresso foi menos eficaz nos últimos anos (...). Ainda vemos uma situação em que o Congresso não consegue investigar e responsabilizar as pessoas. Há pessoas como Steve Bannon [ex-conselheiro de Trump] a recusarem-se a cooperar com a investigação”, afirma Hudson. 

No que Hudson apelida de “a Grande Mentira”, a teoria de que a eleição presidencial foi manipulada, várias sondagens publicadas ao longo do último ano mostram que a alegação está bem estabelecida entre o eleitorado conservador.

Numa das mais recentes, conduzida pela rádio pública NPR, 68% dos republicanos disseram acreditar que atividades ilegais ou fraudulentas mudaram o resultado da eleição presidencial de 2020. A mesma sondagem indica que apenas 36% dos republicanos confiam na integridade das eleições e apenas 38% dizem que vão acreditar que a eleição de 2024 será credível se ganhar um democrata. 

“Temos uma maioria forte e persistente de apoiantes do partido republicano a acreditar que a eleição foi fraudulenta, o que é comprovadamente falso”, disse Alexander Hudson.

“É notável e preocupante que isso tenha persistido, e terá consequências no futuro”, acrescentou. 

Depois de terem caído logo após o ataque ao Capitólio, os índices de popularidade de Trump entre republicanos têm vindo a recuperar, para mais de 85%, segundo uma recente sondagem da YouGov.

Trump chegou a ter previsto fazer declarações no dia de aniversário do ataque ao Capitólio, onde Joe Biden irá discursar, mas na terça-feira acabou por recuar da intenção, anunciando que irá pronunciar-se num comício a 15 de janeiro.

Segundo a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, Biden "falará sobre o trabalho que falta ser feito para garantir e fortalecer a democracia e instituições, para rejeitar o ódio e as mentiras que vimos em 6 de janeiro, para unir o país".

O republicano foi o primeiro a anunciar uma conferência de imprensa a partir da sua mansão na Flórida, ao mesmo tempo que o Congresso tem previsto um momento de reflexão em Washington.

Numa referência ao dia das eleições presidenciais, que o ex-presidente acusa de serem fraudulentas sem ter apresentado provas credíveis, Trump já tinha referido anteriormente que “a insurreição aconteceu em 03 de novembro de 2020”.

Carl Tobias, professor de direito da Universidade de Richmond, afirmou esta semana que "o comportamento de Trump é indiscutivelmente sem precedentes na história americana".

"Nenhum ex-presidente tentou tanto desacreditar o seu sucessor e o processo democrático", disse.

Segundo Alexander Hudson, será importante a decisão do Tribunal Supremo sobre se Trump pode ou não negar documentos à investigação do Congresso.

“Estes problemas institucionais no Congresso americano parecem persistir e esta 'Grande Mentira' parece ter pernas para andar”, reforçou o especialista. “Um ano depois, mais de dois terços dos republicanos pensam que a eleição foi roubada”. 

“É preocupante que as pessoas que cometeram atos ilegais e um ataque violento ao Capitólio pensaram em si próprias como estando a proteger a democracia”, sublinhou. “Isto é algo com que os americanos têm de lidar”.