Um ano depois, África quer evitar a todo custo tornar-se "continente da covid"
Covid-19
5 de mar. de 2021, 13:46
— Lusa/AO Online
O primeiro caso de covid-19 em
África surgiu no Egito, em 14 de fevereiro de 2020, e a Nigéria foi o
primeiro país da África subsaariana a registar casos de infeção, em 28
de fevereiro.Um ano depois, as mortes
associadas à covid-19 em África aumentaram 40% entre janeiro e fevereiro
e ultrapassaram as 100 mil, numa altura em que o continente se debate
com novas estirpes, mais contagiosas, e está numa corrida para conseguir
vacinar população suficiente que evite que o vírus se possa tornar
endémico da região. A taxa de letalidade
do vírus continua a aumentar no continente - durante a segunda vaga
atingiu os 2,6% acima da média global de 2,2% - apesar da tendência
decrescente de novos casos desde o início de janeiro.Trinta
e dois países comunicaram um aumento das mortes entre janeiro e
fevereiro e a taxa de mortalidade por covid-19 em África, durante este
período, subiu para 3,7% em comparação com os 2,4% no período anterior. Em
fevereiro, globalmente, registou-se uma quebra de 15% dos novos casos,
segundo dados do Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças da União
Africana (África CDC), uma tendência que muda nas regiões da África
Central, com um aumento de 14% dos novos casos, e a África Oriental,
onda as novas infeções cresceram 7%. "Estes dados podem indicar o início de uma terceira vaga", alerta o diretor do África CDC, John Nkengasong. Os
países africanos somam quase 4 milhões de casos de covid-19, ou seja,
3,4 por cento do total mundial de casos, e mais de 100 mil mortes, que
representam 4% dos óbitos provocados pela doença a nível mundial.África
surge, no entanto, como o segundo continente menos afetado pela
pandemia, a seguir à Oceânia, com 264,1 casos por 100 mil habitantes e
67,1 mortes por milhão de habitantes, muito abaixo da média mundial de
1309,5 casos/100 mil habitantes e 283,1 mortes/1 milhão de habitantes,
segundo dados da Fundação Robert Schuman.A
América do Norte é a região mais afetada (5058,3 casos/100 mil
habitantes e 1082,5 mortes/1 milhão de habitantes) seguida da Europa
(4021,7 casos/100 mil habitantes e 931,2 mortes/ 1 milhão de
habitantes).Números que não descansam John
Nkengasong, que insiste na necessidade de evitar a todo o custo que
África se torne numa zona de covid-19 endémica.O
virologista dos Camarões, que se tornou a cara da luta contra a
pandemia de covid-19 em África, não esconde a frustração com os
"discursos politicamente corretos" sobre solidariedade e acesso
equitativo às vacinas e a incapacidade de os traduzir em ação.Com
meses de atraso relativamente à Europa e aos Estados Unidos, esta
semana, vários países africanos começaram a receber as primeiras vacinas
ao abrigo do Covax, mecanismo impulsionado pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) e pela Aliança de Vacinas (GAVI).Gana,
Costa do Marfim, Quénia, Angola, Gâmbia, Ruanda, República Democrática
do Congo (RDCongo), Senegal, Nigéria, Lesoto e Sudão receberam as
primeiras doses nos últimos dias. Nkengasong
reconhece o "simbolismo" da cooperação e solidariedade global do
mecanismo Covax, mas sublinha que "sempre foi muito claro" que este
mecanismo só daria a África 20% das vacinas necessárias. "E
não há maneira de nos livrarmos da covid-19 com 20% de vacinação,
precisamos de pelo menos 60%. A Europa está a tentar vacinar 80%. Os
Estados Unidos estão a tentar vacinar toda a gente. Acabarão de vacinar,
imporão restrições de viagem e depois a África tornar-se-á 'o
continente da covid'", disse.Por isso,
vários países africanos estão a procurar vacinas através de acordos
bilaterais com empresas ou de doações, na maioria dos casos com a
empresa farmacêutica estatal chinesa Sinopharm. O
Ruanda, que recebeu dois lotes através do programa da OMS e do Gavi
(240.000 doses da AstraZeneca e 102.960 da Pfizer), tinha iniciado já em
meados de fevereiro a sua campanha de vacinação após ter adquirido por
conta própria cerca de mil doses de vacinas da Moderna e Pfizer. Na
mesma linha, o Senegal recebeu 324.000 doses da AstraZeneca através da
Covax, além das 200.000 doses da Sinopharm que permitiram lançar a
campanha de imunização em 23 de fevereiro. Angola
tornou-se o primeiro país lusófono a receber vacinas através da Covax,
com uma primeira entrega de 624.000 doses, que fazem parte do total de
12,8 milhões previstas. Além destas, o país iniciou o processo de aquisição de 12 milhões de doses da vacina russa Sputnik V. A
União Africana (UA), por seu lado, assegurou 670 milhões de doses de
vacinas a serem distribuídas em 2021 e 2022, e tem também uma oferta da
Rússia de 300 milhões de doses da Sputnik V, que estarão disponíveis a
partir de maio. Embora a chegada das
vacinas permita acelerar a imunização covid-19 em África, até agora
apenas 11 dos 55 Estados-membros da União Africana iniciaram campanhas
nacionais de vacinação: Marrocos, Egito, Maurícias, Argélia, Seicheles,
Guiné Equatorial, Zimbabué, África do Sul, Senegal, Costa do Marfim e
Gana. A diretora regional da OMS para
África, Matshidiso Moeti, estima, ainda assim, que "a maioria dos países
africanos tenha os seus programas de vacinação implementados até ao
final de março”.