UAc deve apostar numa intervenção integrada contra a pobreza estudantil
8 de out. de 2025, 09:39
— Ana Carvalho Melo
A socióloga Piedade Lalanda, da Escola Superior de Saúde da
Universidade dos Açores (UAc), defendeu ontem que a academia deve
apostar numa intervenção integrada que permita combater a pobreza entre
os seus estudantes.“Apesar de todos reconhecerem que a pobreza é
sistémica, as ajudas não se devem limitar ao apoio financeiro. Importa
investir numa intervenção no combate à pobreza que seja integrada, que
contrarie o fenómeno de exclusão e evite o risco potencial de
desistência dos estudantes que conseguiram chegar a este patamar de
ensino”, afirmou a investigadora durante a conferência “O Papel da
Academia no Combate à Pobreza – da Prevenção à Ação”, promovida ontem
pela Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN Portugal), em parceria com a
Universidade dos Açores.Durante uma intervenção intitulada
“Universidade e Estudantes em Situação de Carência: Uma Estratégia
Possível”, a também presidente do Conselho Económico e Social dos Açores
(CESA) alertou para o défice de escolarização da população açoriana ao
nível do ensino superior, particularmente na faixa etária entre os 25 e
os 34 anos, salientando que a taxa de escolarização no ensino superior
nos Açores (24%) é quase metade da média nacional (44%).A socióloga
sublinhou ainda que uma parte significativa da população que termina o
ensino secundário não chega à universidade, onde quem se matricula é
maioritariamente do sexo feminino.Por essa razão, considera que a
universidade, em parceria com outras entidades, deve proporcionar apoios
que permitam fazer face à carência económica. Nesse sentido, Piedade
Lalanda propôs que a instituição implemente um conjunto de medidas que
assegurem condições de frequência e sucesso académico.“Isto seria o
ideal, e se calhar algumas destas coisas até já se fazem, numa
universidade que tem em conta esta complexidade de fatores que concorrem
para a carência”, afirmou, explicando que esta proposta se organiza em
torno de três áreas - Alojamento, Alimentação e Comunicações - e inclui
ainda respostas de ajuda financeira e social.Neste contexto, a
socióloga sugeriu que, no campo do alojamento, fosse criado um banco de
habitação de baixo custo, certificado pela universidade, de modo a
garantir condições de salubridade e segurança. A docente propôs também
parcerias inovadoras, como o modelo de “estudante de companhia” para
pessoas idosas, que alia apoio social à redução de despesas
habitacionais.Em relação à alimentação, a proposta de Piedade
Lalanda visa promover literacia alimentar e assegurar que nenhum aluno
fique sem refeição, mesmo em horários tardios, além de defender a
manutenção de refeitórios acessíveis ao fim de semana.Quanto às
comunicações e à mobilidade, Piedade Lalanda sugere protocolos com
operadoras de telecomunicações para reduzir custos, a criação de salas
de estudo equipadas com computadores e o reforço dos transportes
públicos ou de alternativas sustentáveis, como o aluguer de bicicletas a
baixo custo.A proposta apresentada por Piedade Lalanda inclui ainda
a criação de um serviço de empréstimos para despesas inesperadas,
programas de trabalhos internos remunerados na universidade e apoio
específico a estudantes monoparentais, através de creches ou espaços
infantis universitários.Ainda nesta conferência, o sociólogo
Fernando Diogo, professor associado e investigador na Universidade dos
Açores, centrou a sua intervenção no papel da academia no combate à
pobreza, enquadrando-o na matriz geral das funções das universidades e
dos institutos politécnicos.Numa intervenção, que se focou nas três
funções da academia - formar, investigar e difundir -, frisou que o
papel da universidade é a criação de conhecimento que sirva de base à
gestão pública.“Creio que, através da investigação, também compete
às universidades avaliar as políticas públicas, entre as quais se
destacam as que têm um impacto direto na pobreza (como o rendimento
social de inserção ou o complemento solidário para idosos) e as que têm
um impacto indireto (como as políticas de educação ou habitação)”,
referiu, acrescentando: “O papel das universidades pode ir ainda mais
longe e produzir recomendações para os poderes públicos”.O sociólogo
defendeu que, “numa sociedade de grande complexidade, não é possível
gerir a res publica com base apenas na ideologia ou na intuição”,
sublinhando que “apenas os inputs das ciências sociais permitem
compreender como a sociedade se organiza, para melhor a modificar”.“Combate à pobreza é uma tarefa de todos”Manuel
Sarmento, professor no Instituto de Educação da Universidade do Minho,
defendeu ontem que “o combate à pobreza é uma tarefa de todos”. “É
uma tarefa da universidade, é uma tarefa do poder político organizado, é
uma tarefa das IPSS, da sociedade voluntária e cidadã, e é também uma
tarefa de todos os cidadãos, individualmente considerados”, afirmou
durante a conferência “O Papel da Academia no Combate à Pobreza - da
Prevenção à Ação”.Neste contexto, o sociólogo realçou que “é
fundamental que esta tarefa possa ser pensada coletivamente e possa ela
própria ser objeto de uma gestão coletiva”.“O pressuposto é que nós
não podemos fazer uma política de combate à pobreza contra os pobres e
sem os pobres. Uma política de combate à pobreza é uma política em que
os pobres têm de ser protagonistas ativos. Esta é uma tarefa de todos;
todos têm de ter uma palavra no que respeita ao poder de decisão. O
combate à pobreza é uma questão de poder”, defendeu.