Autor: Ana Carvalho Melo
A socióloga Piedade Lalanda, da Escola Superior de Saúde da Universidade dos Açores (UAc), defendeu ontem que a academia deve apostar numa intervenção integrada que permita combater a pobreza entre os seus estudantes.
“Apesar de todos reconhecerem que a pobreza é sistémica, as ajudas não se devem limitar ao apoio financeiro. Importa investir numa intervenção no combate à pobreza que seja integrada, que contrarie o fenómeno de exclusão e evite o risco potencial de desistência dos estudantes que conseguiram chegar a este patamar de ensino”, afirmou a investigadora durante a conferência “O Papel da Academia no Combate à Pobreza – da Prevenção à Ação”, promovida ontem pela Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN Portugal), em parceria com a Universidade dos Açores.
Durante uma intervenção intitulada “Universidade e Estudantes em Situação de Carência: Uma Estratégia Possível”, a também presidente do Conselho Económico e Social dos Açores (CESA) alertou para o défice de escolarização da população açoriana ao nível do ensino superior, particularmente na faixa etária entre os 25 e os 34 anos, salientando que a taxa de escolarização no ensino superior nos Açores (24%) é quase metade da média nacional (44%).
A socióloga sublinhou ainda que uma parte significativa da população que termina o ensino secundário não chega à universidade, onde quem se matricula é maioritariamente do sexo feminino.
Por essa razão, considera que a universidade, em parceria com outras entidades, deve proporcionar apoios que permitam fazer face à carência económica. Nesse sentido, Piedade Lalanda propôs que a instituição implemente um conjunto de medidas que assegurem condições de frequência e sucesso académico.
“Isto seria o ideal, e se calhar algumas destas coisas até já se fazem, numa universidade que tem em conta esta complexidade de fatores que concorrem para a carência”, afirmou, explicando que esta proposta se organiza em torno de três áreas - Alojamento, Alimentação e Comunicações - e inclui ainda respostas de ajuda financeira e social.
Neste contexto, a socióloga sugeriu que, no campo do alojamento, fosse criado um banco de habitação de baixo custo, certificado pela universidade, de modo a garantir condições de salubridade e segurança. A docente propôs também parcerias inovadoras, como o modelo de “estudante de companhia” para pessoas idosas, que alia apoio social à redução de despesas habitacionais.
Em relação à alimentação, a proposta de Piedade Lalanda visa promover literacia alimentar e assegurar que nenhum aluno fique sem refeição, mesmo em horários tardios, além de defender a manutenção de refeitórios acessíveis ao fim de semana.
Quanto às comunicações e à mobilidade, Piedade Lalanda sugere protocolos com operadoras de telecomunicações para reduzir custos, a criação de salas de estudo equipadas com computadores e o reforço dos transportes públicos ou de alternativas sustentáveis, como o aluguer de bicicletas a baixo custo.
A proposta apresentada por Piedade Lalanda inclui ainda a criação de um serviço de empréstimos para despesas inesperadas, programas de trabalhos internos remunerados na universidade e apoio específico a estudantes monoparentais, através de creches ou espaços infantis universitários.
Ainda nesta conferência, o sociólogo Fernando Diogo, professor associado e investigador na Universidade dos Açores, centrou a sua intervenção no papel da academia no combate à pobreza, enquadrando-o na matriz geral das funções das universidades e dos institutos politécnicos.
Numa intervenção, que se focou nas três funções da academia - formar, investigar e difundir -, frisou que o papel da universidade é a criação de conhecimento que sirva de base à gestão pública.
“Creio que, através da investigação, também compete às universidades avaliar as políticas públicas, entre as quais se destacam as que têm um impacto direto na pobreza (como o rendimento social de inserção ou o complemento solidário para idosos) e as que têm um impacto indireto (como as políticas de educação ou habitação)”, referiu, acrescentando: “O papel das universidades pode ir ainda mais longe e produzir recomendações para os poderes públicos”.
O sociólogo
defendeu que, “numa sociedade de grande complexidade, não é possível
gerir a res publica com base apenas na ideologia ou na intuição”,
sublinhando que “apenas os inputs das ciências sociais permitem
compreender como a sociedade se organiza, para melhor a modificar”.
“Combate à pobreza é uma tarefa de todos”
Manuel Sarmento, professor no Instituto de Educação da Universidade do Minho, defendeu ontem que “o combate à pobreza é uma tarefa de todos”. “É uma tarefa da universidade, é uma tarefa do poder político organizado, é uma tarefa das IPSS, da sociedade voluntária e cidadã, e é também uma tarefa de todos os cidadãos, individualmente considerados”, afirmou durante a conferência “O Papel da Academia no Combate à Pobreza - da Prevenção à Ação”.
Neste contexto, o sociólogo realçou que “é fundamental que esta tarefa possa ser pensada coletivamente e possa ela própria ser objeto de uma gestão coletiva”.
“O pressuposto é que nós não podemos fazer uma política de combate à pobreza contra os pobres e sem os pobres. Uma política de combate à pobreza é uma política em que os pobres têm de ser protagonistas ativos. Esta é uma tarefa de todos; todos têm de ter uma palavra no que respeita ao poder de decisão. O combate à pobreza é uma questão de poder”, defendeu.