Trabalho de apenas três mil mulheres mantém bordado Madeira na ribalta internacional
24 de set. de 2017, 11:29
— Lusa / AO online
"Quem já
bordou ou teve alguém na família que bordou, sabe dar valor a isto, mas
os que nunca bordaram não dão valor", disse à agência Lusa Lídia Pontes,
uma bordadeira já reformada, residente no concelho da Ponta do Sol
(zona oeste da Madeira). Como tantas mulheres da sua geração, ela começou a bordar em criança, mal terminou a terceira classe.
"Naquele tempo, as raparigas bordavam para o mealheiro, para depois
partir para comprar o dote. Todo o mundo quando se casava já tinha uma
mala cheia de lençóis e colchas e cobertores e tudo o que era preciso
para a mulher. E era tudo à conta dos bordados", explicou. Lídia
Pontes costuma deslocar-se amiúde ao antigo moinho de água do sítio da
Lombada, que foi recuperado pela autarquia local e serve agora de
"atelier", sob a responsabilidade de Maria Ganança, já com 71 anos, que
ganhou fama na região como bordadeira exímia e também como dirigente
sindical do setor. "Comecei a bordar com uns 10 anos e mesmo
antes de acabar a escola já fazia granitos e ponto de corda", contou,
vincando que antigamente todo o dinheiro com que as mulheres podiam
contar provinha dos bordados, pelo que ficavam a puxar linhas pela noite
dentro até de madrugada. A origem do bordado Madeira remonta
ao início do povoamento da ilha, no século XV, mas produto só ganhou
fama internacional no século XIX, quando o número de bordadeiras terá
atingido 70 mil. Na década de 80 do século passado, havia ainda
mais de 30 mil bordadeiras na região autónoma, mas atualmente o
Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira (IVBAM) tem
registo de apenas três mil, sendo que o produto é exportado sobretudo
para os Estados Unidos, Itália e Inglaterra. "Isto já foi uma
indústria bastante grande, mas agora está de arrastos", disse Maria
Ganança, que, no entanto, insiste em ensinar "de graça" a arte de
bordar, porque tem "pavor" que o bordado acabe, mas também "esperança"
de que um dia ele renasça. As três mulheres que estavam com ela
no moinho concordaram, mas dizem-se conscientes de que as novas gerações
não mostram interesse pela arte, feita à custa de muito ponto de corda,
caseado, bastido, pesponto, "richelieu", ponto francês, granitos e
outros. "Já em pequenas, as minhas filhas faziam tudo para não
bordar", disse Lídia Pontes, lembrando, por outro lado, as doenças
associadas à atividade, sobretudo relacionadas com a coluna, a visão e
as artroses, pelo que "é mais fácil passar o dedo no telemóvel do que na
agulha". No velho moinho da Lombada, os dias correm quase como
nos tempos áureos do bordado Madeira, quando as mulheres se juntavam no
quintal e ficavam horas a puxar linhas sobre tecidos de linho, seda,
algodão ou organdi, de onde resultavam peças requintadas, como toalhas
de mesa, vestidos, camisas, jogos de banho, lençóis e lenços que
continuam a correr mundo.