“Todo o meu percurso profissional foi um caminho de descoberta e de superação”

3 de ago. de 2025, 08:00 — Susete Rodrigues

Carmen Raposo sempre viveu rodeada de música e a ouvir música dos Açores. Lembra-se de ver o pai - Aníbal Raposo - a criar, a escrever letras e a compor músicas. Conta que o “meu pai não fazia muitos espetáculos, Ia fazendo alguns porque também tinha a sua vida profissional. Atualmente ele tem mais tempo, porque já está reformado e merece esse tempo para a música”. Recorda alguns convívios “onde estavam presentes o Luís Alberto Bettencourt, o Zeca Medeiros e outros músicos. Até os considero meus tios, porque são pessoas muito próximas”. Acrescenta que “a minha mãe era jornalista da RTP Açores e isso fez com que tivesse a oportunidade de conhecer o Zeca Medeiros e dele convidar-me a participar no filme ‘O Feiticeiro do Vento’. Tinha uns 10/11 anos na altura”.Frequentou o Conservatório Regional de Ponta Delgada até aos 15 anos. ‘Zangou-se’ com o piano - atualmente estão de pazes feitas -, fez um ano de canto lírico e quando saiu do conservatório pediu ao pai uma bateria. Começou a tocar em casa e como os “meus colegas sabiam que tinha uma bateria, convidaram-me para um grupo que era composto pelo João Tiago, pelo Ricardo Cabral e pelo André Contente - irmão da Eugénia Contente, foi aí que a Eugénia começou a ter esse gosto pela guitarra e hoje tem um percurso extraordinário. Era uma banda de metal gótico e foi uma experiência fantástica”.No entanto, havia um senão aquando das apresentações. O medo do palco. Carmen Raposo explica que “tinha pânico do palco. Desde as apresentações no conservatório, no Teatro Micaelense, no Natal dos Hospitais, para mim eram momentos terríveis, de extremo sofrimento, ansiedade”. Mas a cantautora deu a volta por cima. Como? Ora a “vida empurrou-me para o palco, até profissionalmente. Todo o meu percurso profissional foi um caminho de descoberta e de superação. Hoje já consigo tirar prazer do palco e a música ganhou”.Com a ida para a universidade, a música ficou um pouco de parte enquanto percurso profissional. Nessa altura, começou a perceber que gostava de estar mais ligada às pessoas. Após a licenciatura em Gestão, “fiz Mestrado em Economia Social e Solidária, numa vertente de gestão, mas dentro de um contexto social; e fui fazer um estágio numa organização não-governamental em Lisboa, a FEC -Fundação Fé e Cooperação”. Depois teve a oportunidade de integrar um programa de educação na Guiné-Bissau, onde viveu dois anos. Para si foi uma experiência única, gratificante e muito enriquecedora. “Nunca tinha estado em África e fui logo para a Guiné-Bissau, num contexto muito difícil, mas com o lado cultural muito forte. Foi fantástico porque a música está por todo o lado”. Descreve que “ao final do dia, começam os batucos, as pessoas começam a tocar todas nos bairros. As casas são muito pequenas e vive muita gente dentro das casas. Então, as pessoas estão com os vizinhos cá fora e  começam todos a tocar, a cantar, a dançar. Também tive aulas de djembe com o Wilson da Silva, que hoje em dia representa a Guiné-Bissau internacionalmente (…) Tive a oportunidade de entrar com ele nos bairros e assistir àqueles momentos de cultura entre vizinhos, de música, e foi aí que comecei a aprender alguns ritmos africanos. Foram anos que me marcaram muito”.Professora de Economia no secundário, Carmen Raposo só começou a compor em 2021, por altura da Covid-19. “A verdade é que nós ficamos mais por casa, também estava a passar por um momento pessoal complicado e a música foi um escape emocional, foi uma terapia. Não fiz de forma consciente, mas as letras estão lá... a música está lá. Nunca em dias de minha vida achava que ia lançar um disco... sempre tive a música dentro de mim, mas sempre fugi do palco...”, confessou. Também está lá a sua passagem por África: “Quem faz a produção das minhas músicas é o Mário Raposo, um grande músico que nós temos cá. Digo-lhe que quero que esta música tenha este ritmo mais quente, porque as letras também falam. Também levo o meu djembe para os concertos”.Lançou o seu primeiro disco, nas plataformas digitais, em outubro de 2023, ‘Estios e Tormentas’. Em dezembro desse ano, “fiz um concerto de lançamento no Lava Jazz, com casa esgotada, foi um momento muito especial. (...)”. Esse trabalho, relata, começou a ser “desenhado de forma natural porque não tinha intenção de gravar um disco. (…) Dei por mim e já estava quase com um disco. Então fui lançar um disco a título independente”. Em 2024 lançou o single ‘Dois Olhares’, este “com um ritmo bastante africano”. Pese embora estar mais presente na música, Carmen Raposo, não deixa de lado a sua profissão. Afirma que “na verdade isto (a música) é um hobby que tem-se tornado um bocadinho mais sério. Não é a minha profissão. Sou professora de Economia no secundário e é uma profissão que me realiza”. Diz ainda que é muito gratificante “ser diretora de turma, de poder orientar os meninos. Emocionalmente é exigente, mas gosto de perceber a relação humana (...)”. Na sua opinião, viver só da música nos Açores é muito difícil, e “acho que nos falta oportunidades para apresentarmos original. Não tinha essa consciência. Temos que ir bater à porta. Acho que devíamos ser convidados (…). Conta-se as vezes que me apresentei ao vivo, são muitas menos vezes do que aquelas em que fui convidada, em que não tive que ir bater à porta”. Nesse seu desabafo, acrescenta que, ainda assim, “as câmaras vão tendo alguma abertura, sobretudo no verão, mas no inverno, não há muitas oportunidades. Nos privados também há muitas poucas casas a ter música ao vivo”. A seu ver, “não há muito investimento na diversificação dos artistas. Não sei porquê. Já me perguntei o porquê (…) Há tantos ‘nãos’ e sobretudo silêncios... muitos silêncios...”. No que diz respeito a projetos, Carmen Raposo e Mário Raposo têm o ‘Cantigas de Amor e Condor’, que “são versões da música popular portuguesa. Temos um projeto para o 25 de Abril em que cantamos Zeca Afonso e, ainda relacionado com o 25 de Abril, tenho um projeto com o meu pai, ‘Abril de Viva a Voz’, que começou na minha escola, na Ribeira Grande”. Tem desenvolvido um projeto com um músico pernambucano, Ozi dos Palmares. “Este músico brasileiro viu algumas publicações de letras minhas, musicou e foi partilhando. Gostava muito de ter este intercâmbio, ele poder vir cá e eu ir lá, mas isso sou eu a sonhar, não sei se vai ser possível. (...)”. Diz ainda que os “Mar&Ilha convidaram-me a criar um tema que vai sair agora no segundo álbum. Isso orgulha-me muito porque é uma banda fantástica, a Sara Miguel é uma criadora de pontes. Outro projeto que me fez crescer foi o ‘Encanto às Ilhas de Bruma’, em 2022, com o pianista Ricardo Dias, o Ni Ferreirinha, Manuel Rocha e  Bruno Costa - grandes músicos do nosso panorama nacional - descobriram a minha música (…). Só o facto de me terem convidado, terem visto o potencial, sou-lhes muito grata por isso, e foi um momento de crescimento muito grande”.A finalizar, refere que a música tem-lhe trazido “muitas amizades, bons momentos, a possibilidade de trabalhar com grandes músicos. Tenho os melhores músicos a trabalhar comigo, o António Feijó no baixo, o Lázaro Raposo na bateria, o Stepan Kobyakin nas teclas e o Vasco Cabral na guitarra elétrica. Eles tiveram a humildade de dizer: ‘vamos trabalhar as tuas músicas, vamos transformar o teu disco num concerto. Este trabalho foi de equipa e isso é de uma generosidade… é mesmo por gosto...”.