O
executivo PSD/CDS-PP liderado por Luís Montenegro completa cem dias na
quarta-feira e os 80 deputados que o apoiam, apenas mais dois do que a
bancada do PS, já faziam antever um quadro parlamentar difícil, perante
uma Assembleia da República que tem como terceira força política o
Chega, com 50 deputados.No discurso
inaugural no Palácio da Ajuda, em 02 de abril, o primeiro-ministro, Luís
Montenegro, deixou, desde logo, a sua interpretação sobre a
estabilidade do executivo: “Não rejeitar o Programa do Governo significa
permitir o início da ação governativa. Mas significa mais: significa
permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à
aprovação de uma moção de censura”.Apesar
de esta visão ter sido contestada pela oposição, o PS manteve a
abstenção que tinha prometido na noite da derrota eleitoral às moções de
rejeição de BE e PCP ao programa do Governo (o Chega votou contra) e o
executivo entrou em funções plenas em 12 de abril.No
final de março, os líderes do PSD e do PS já tinham tido de fazer um
acordo de última hora para permitir a eleição do social-democrata José
Pedro Aguiar-Branco como presidente da Assembleia da República, depois
de três tentativas falhadas – e apesar de o presidente do Chega, André
Ventura, ter dito que viabilizaria os candidatos do PSD -, que passou
por dividir o exercício do cargo a meio, cabendo aos socialistas indicar
um nome para uma eventual segunda metade da legislatura.Desde
então, apesar de quer Montenegro quer Pedro Nuno Santos insistirem
publicamente que estão disponíveis para o diálogo, apenas na área da
Justiça houve sinais recentes de que Governo e PS poderão tentar um
entendimento para rever aspetos do Código Penal e do Processo Penal.O
caso mais emblemático da difícil aritmética parlamentar foi a proposta
do Governo de descida do IRS: AD, PS e Chega não chegaram a um acordo
quanto aos escalões em que a redução deveria incidir, e a versão que
acabaria aprovada foi a dos socialistas, graças aos votos a favor da
esquerda e da IL e da abstenção do Chega.Contra
a vontade dos partidos que apoiam o Governo, foram também aprovadas em
votação final global propostas do PS de alargamento do consumo de
eletricidade com taxa de 6%, de eliminação de portagens nas antigas SCUT
ou o alargamento das deduções com habitação em sede de IRS.PSD
e Governo têm acusado PS e Chega de “conluio” e de fazerem “uma aliança
objetiva” contra o Governo, tese que o líder socialista, Pedro Nuno
Santos, considera absurda, apontando outros diplomas em que o partido de
André Ventura tem votado ao lado do executivo, como o fim da
contribuição extraordinária para alojamentos locais.À
exceção da proposta do IRS, que poderá ter efeitos este ano, os
restantes diplomas que o PS conseguiu aprovar contra a vontade
PSD/CDS-PP são apenas para 2025, ou seja, caso seja aprovado um
Orçamento do Estado para o próximo ano.Para
que tal aconteça ou o PS terá de se abster – Pedro Nuno Santos avisou
que uma viabilização só será possível se o Governo não ignorar os
socialistas - ou o Chega de votar a favor.O
Presidente da República tem defendido a importância da estabilidade
política e da aprovação do próximo Orçamento, até pela execução do Plano
de Recuperação e Resiliência, mas sem dizer que haverá eleições
antecipadas (como fez em 2021) se tal não acontecer.“Todos
temos a noção de que se o Orçamento não for votado no fim do ano, isso
significa que há dois caminhos: ou há uma crise política eleitoral ou
uma crise politica não eleitoral que é o Governo governar por
duodécimos, de uma forma precária, enfraquecido, e em que a gestão dos
fundos europeus imediatamente é atingida”, referiu Marcelo Rebelo de
Sousa, em 29 de maio, em São João da Madeira.O
primeiro-ministro tem repetido estar aberto ao diálogo, mas não poder
forçar a oposição a convergir politicamente, e insistido que a
legislatura tem o seu fim pré-determinado pela Constituição em 2028 e
que não será pela vontade do Governo que será encurtada.Já
classificado pelo chefe de Estado como “um político de silêncios”,
Montenegro tem gerido as suas intervenções públicas e, sobretudo, as
vezes em que responde a perguntas da comunicação social, não tendo dado
ainda uma grande entrevista desde que foi eleito primeiro-ministro.As
eleições europeias, que o PS venceu em 09 de junho por curta margem,
trouxeram novas promessas de diálogo de ambas as partes, mas até agora
sem efeitos práticos, com a grande novidade da noite a chegar com o
anúncio do apoio do Governo PSD/CDS-PP ao ex-primeiro-ministro António
Costa para presidente do Conselho Europeu, cargo para o qual foi,
entretanto, eleito.