Autor: Ana Carvalho Melo
Com uma vida dedicada às artes gráficas, José Ernesto Rezendes, fundador da Nova Gráfica e da editora Letras Lavadas, descreve-se como um apaixonado por esta arte, cuja evolução tem vindo a acompanhar ao longo do seu percurso profissional.
“Eu sou um gráfico porque tenho a arte dentro de mim”, afirma o empresário, recordando que ainda muito jovem “passava por uma tipografia e via-os a mexer naquelas peças”, o que o fascinava.
E foi esta curiosidade que o levou a decidir trabalhar nessa área, porque “tinha na veia a arte. Eu sou de uma geração que passou pela tipografia com chumbo, pelo offset, que é uma evolução completamente diferente, e em 1998 começámos a trabalhar com o digital”.
José Ernesto Rezendes nasceu na freguesia de Santa Bárbara, em Santa Maria, em 1955, mas a escassez de recursos e a vontade de garantir uma vida melhor aos filhos levaram a sua família a mudar-se para São Miguel quando ele tinha seis anos.
“Os meus pais vieram para São Miguel à procura de melhores condições para os filhos. Nove anos depois, o meu pai foi para o Canadá e a ideia dele era fazer a carta de chamada para os filhos, mas nós não podíamos ir por causa do serviço militar. Por essa razão acabámos todos espalhados: uns no Canadá, outros nos Estados Unidos, e eu em São Miguel”, conta.
Começou a trabalhar, com apenas 11 anos, como paquete no comércio de Ponta Delgada e, aos 14 anos, começou a estudar no horário noturno do Curso Geral de Comércio. Em 1970, com apenas 15 anos, iniciou-se na profissão de tipógrafo na Tipografia Insular, em Ponta Delgada, onde permaneceu durante sete anos, o que como realça definiu o rumo da sua vida e os ensinamentos base da sua carreira profissional.
Aos 23 anos, foi convidado para diretor de produção da Impracor, na altura a maior empresa gráfica da região.
“Eu ia para o Canadá dois meses depois de ter cumprido o serviço militar, mas fui convidado a trabalhar na Impracor, a empresa do Açoriano Oriental, que estava a fazer a conversão da tipografia para offset. Decidi aceitar e, pouco tempo depois, era o responsável pela produção e acabou-se o sonho da emigração”, recorda.
Em setembro de 1982, fundou a tipografia Nova Gráfica juntamente com outros três colegas gráficos.
“Foi um projeto pensado, sabíamos que alcançaríamos o nosso objetivo. Fundar a empresa foi pensar que podíamos criar algo novo e trabalhar sempre com o objetivo de um dia termos nos Açores algo diferente e que não existia. Esse foi o nosso objetivo, e conseguimos”, afirma.
Do sucesso, o empresário recorda as distinções que ele e a sua empresa receberam como fruto do empenho, trabalho e dedicação de toda a equipa, que sempre acompanhou a criatividade do seu mentor.
“Eu sou um gráfico porque tenho a arte dentro de mim. E, se hoje em dia faço algumas coisas diferentes, é exatamente por ter condições para as fazer: uma excelente equipa de recursos humanos e os meios para as realizar. Para mim, independentemente do que possa acontecer, eu sou sempre uma pessoa ligada às artes gráficas”, revela, explicando: “Quando olho para um livro ou um jornal, antes dos conteúdos, vejo o aspeto gráfico das peças, os pormenores, as técnicas e os materiais que foram usados”.
Em 2007, adquiriu a empresa Publiçor, Lda., que permitiu a criação da editora Letras Lavadas. “Quando adquirimos a Publiçor em 2007, eu já via que no futuro era um negócio em extinção. E como tínhamos uma gráfica e sabíamos de artes gráficas, o que queríamos era produzir peças em papel. Então, começámos a editar alguns livros sem pensar muito na dimensão que isso iria ter. Claro que, ao fim de 15 anos, já temos mais de 700 títulos com a chancela Letras Lavadas editados. Damos sempre preferência a autores dos Açores ou que escrevam sobre os Açores e agora estamos a dar um passo muito maior no mercado internacional com alguns livros, porque já passámos as fronteiras de Portugal e somos conhecidos nos mercados da América, Canadá, Brasil e Europa”, realça.
Enquanto homem que gosta de superar desafios, José Ernesto Rezendes também apresentou obras diferenciadas, como o caso do Jornal Terra Nostra no Guinness World Records como o menor jornal do mundo, da edição especial das obras de Manuel Ferreira que ofereceu ao Presidente dos Estados Unidos da América Barack Obama, ou do livro “A Açorianidade no Tempo”, que reúne 150 títulos de 263 autores.
“Estas não passam de ações de marketing em que mostramos a nossa empresa. O que quisemos foi mostrar ao mundo que nós também temos os meios e os recursos humanos para fazer. Não podemos realizar estas ações todos os dias, mas vamos fazendo ao longo do tempo. São peças que queremos que daqui a 50 anos as pessoas olhem para elas como uma peça de arte que será valorizada”, destaca.
Ao longo da sua carreira, assistiu também à transformação da indústria gráfica com o crescimento da digitalização, situação que levou José Ernesto Rezendes a adaptar-se, apostando em trabalhos com menores tiragens mas com qualidade gráfica mais elevada. “A tiragem do livro pode ser menor, mas precisa de ter bom aspeto gráfico para que possa ser usado para a leitura mas também como objeto. Isto levou a uma revolução na indústria, que passa a ter de pensar nos meios técnicos e humanos para fazer peças que sensibilizem o olhar das pessoas. O digital cada vez mais vai crescer”, afirma.
Um dos seus mais recentes desafios foi a abertura de uma livraria no centro de Ponta Delgada, “um risco em contraciclo” que tem vindo a ser superado.
Em junho de 2018, José Ernesto Rezendes reformou-se e, mais tarde, em 2022, passou a empresa para os seus filhos, Milton e Bruna Rezendes, no ano em que a Nova Gráfica completou 40 anos de existência.
“A minha empresa foi sempre um objetivo da minha vida e nunca a impus aos meus filhos. O que eu fiz foi dar-lhes formação para que pudessem fazer o que gostassem e para que fossem bons profissionais. Eles entenderam que deviam ficar na empresa e, como já têm muito conhecimento, cedi-lhes 80% das quotas da empresa. Neste momento, eu sou o mentor da empresa, mas são eles que a gerem. Estou numa fase de transição para outra geração, que tem sido uma surpresa muito bonita, pois é um orgulho ver o que eles estão a decidir e aceitar o que são. Porque a forma de pensar e decidir é outra”.
Hoje, diz-se um homem realizado, que quer acompanhar o crescimento dos netos e dos negócios, ainda que se mantenha sempre atento às oportunidades.
“Tudo o que fiz na vida foram oportunidades que me foram aparecendo. E as oportunidades aparecem todos os dias e muitas vezes aproveito essas oportunidades. Temos nos Açores equipamentos e meios humanos capazes de fazer igual àqueles que fazem bem”, conclui.