“Temos que viver a vida porque é tão curta e passa tão depressa”

Hoje 09:00 — Susete Rodrigues

Natural da freguesia do Livramento, concelho de Ponta Delgada, Carlos Sá, foi uma criança feliz. Conta-nos que vem de uma família “modesta, humilde, séria. Éramos pobres mas felizes”. Na sua infância, de outros tempos, “ajudava os meus pais. Eles tinham gado. Ia à escola e nas férias era a trabalhar”. Ainda novinho, os vizinhos pediam para ir fazer voltas, ou seja, ir à mercearia – como se chamava na altura - “para comprar o açúcar, a manteiga, o petróleo... Achava engraçado os vendedores atrás do balcão das mercearias”, revela para acrescentar que “sempre tive aquele bichinho de comércio”.Terminou a sexta classe e como “não havia grandes possibilidades, na altura, para continuar a estudar, os meus pais disseram para procurar emprego”. Assim foi, veio do Livramento para o centro da cidade a pé, “fui parando nessas mercearias todas, deixei o meu nome em vários estabelecimentos”, recorda. Lembra ainda que, “para saber se realmente nós sabíamos a tabuada de cor e salteado, mandavam fazer contas, mas ficavam a ver se contávamos pelos dedos ou se sabíamos de cor”.Carlos Sá refere que teve sorte. Um dia estava a “brincar ao berlinde - era o que brincávamos na altura - e apareceu o senhor Clemente Amâncio Borges e disse-me que ia trabalhar para a Londrina, no dia 1 de novembro”. Ora, “fiquei todo feliz, deixei logo a brincadeira com os meus amigos e fui dizer à minha mãe. Ela disse-me que no dia 1 não podia ser porque era feriado. Então fui no dia 2 e nunca mais me esqueço, foi num sábado e ainda cá estou”.Os primeiros tempos na Londrina foram muitos felizes, adianta que “acabei por ter um patrão que além de ser meu patrão, era um amigo. Os meus colegas também eram simpáticos, atenciosos e ajudavam”. Com eles aprendeu, entre outras coisas, a ser “sincero, honesto. Tínhamos de ser trabalhadores e foi uma lição de vida”.Passado uns anos, “já tinha os meus dois filhos e achei que tinha muito para caminhar. Pensava em arranjar um espaço, mas não me deixaram ir embora e ofereceram-me sociedade (...)”, explicou, para frisar que “acabei por concretizar o meu sonho”. Naquela altura, quer Ponta Delgada, quer o chamado comércio tradicional, era diferente, “era muito bonito, as lojas abriam às nove horas e já havia pessoas na baixa. Nessa quadra de Natal já se via muita gente a circular. Hoje temos as grandes superfícies, as compras pela internet...”. É precisamente as vendas feitas através pela internet que o assusta um pouco mais, “as grandes superfícies não assustam tanto porque se a pessoa está habituada a ir a uma determinada loja vai. Também não é porque as ruas estão fechadas. Acho que a cidade está mais bonita”. Questionado sobre o que é necessário fazer para trazer as pessoas ao comércio da baixa de Ponta Delgada, Carlos Sá afirma que “somos nós que temos que nos adaptar às novas tendências, somos nós que temos que estar de portas abertas. Claro que isso tem custos, mas se as pessoas vêm cá baixo e o comércio está fechado, é desagradável”, sublinhando que “as portas fechadas não fazem dinheiro”. No caso da Londrina, quem lá entra encontra bom “atendimento, simpatia, honestidade. Cada cliente é visto como um amigo. Também a equipa de trabalho que tenho, sem eles não conseguiríamos chegar aqui. O empregado é que faz a casa. Eles dedicam-se, se for preciso ficar até mais tarde eles ficam, se é preciso chegar mais cedo eles chegam. Acho que temos um bom ambiente de trabalho e  acabamos por ser todos uma família”. É preciso, igualmente, ser inovador e o ‘Carlos da Londrina’, como é carinhosamente conhecido, apostou na inovação e promoveu várias passagens de modelos, quer na sua loja quer em discotecas, bares e outros locais da cidade. É a todos eles que “quero agradecer”. Na nossa conversa, Carlos Sá quis deixar um agradecimento muito especial à sua mulher, Isabel Sá: “Tenho muito a agradecer à mulher que tenho, melhor não podia ser. É o meu porto seguro, é o meu pilar”, disse para acrescentar com boa disposição que “a minha mulher às vezes diz: ‘Não casaste comigo, casaste-te com a Londrina’”, e a sério completa que “realmente, o primeiro casamento foi feito com a Londrina e não com ela. Muitas horas que ela passou sozinha e sinto-me muito, muito feliz por ela ser a mãe dos meus filhos. Ela esteve sempre ao meu lado a apoiar-me”.Tem também muito orgulho nos filhos, refere que “tive essa grande sorte de o meu filho gostar do que faz. Veio para aqui muito novinho”. Conta que depois da escola, “ele o primo, que é funcionário cá, vinham para cá pregar os carimbos. A minha filha também gostava muito de vir para cá, ela é educadora de infância. Acho que ela tem muito jeito para contactar com o público”. Foi para o filho que transferiu a gestão da loja e sente que “as coisas estão bem encaminhadas para a continuidade”. No ano passado, Carlos Sá celebrou 50 anos de carreira profissional com a sua família, com os seus funcionários e amigos, e lançou um livro: ‘Londrina O Símbolo da Moda Masculina’, escrito por Carlos Augusto Corvelo César, “um desafio porque nunca pensei em editar um livro sobre a minha história”. Recebeu também o Prémio Carreira da Revista 100 Maiores Empresas dos Açores.Carlos Sá é uma pessoa humilde, alegre e que gosta de comunicar com os outros. É também um homem de fé, “católico e praticante, gosto de fazer a minha missa semanal. Também admiro muito as nossas romarias. Já fiz duas romarias no Livramento e admiro muito esses homens. Quando os vejo passar pela cidade arrepia um pouco, principalmente para quem já fez e quem não fez que faça”, afirmou. Gosta de fazer trilhos e de viajar. Está envolvido na Marcha dos Coriscos e no Grupo Folclórico de São Miguel porque gosta das tradições e de conviver, “dá-nos vida, são novas amizades”. Valoriza as amizades e quem está presente, até porque “já passei por uma situação, infelizmente, menos boa, quando acabei por estar internado numa instituição e os amigos procuraram-me. Nunca me abandonaram. Nunca me viraram as costas. Estavam lá, sempre presentes. Tive um bom acompanhamento, tanto familiar como dos amigos”. Diz por isso que o que leva da vida “são as amizades, os livros que leio e as memórias que ficam”. Quer viajar mais, quer ter mais netos (tem um), mas acima de tudo diz que “temos que viver a vida, porque é tão curta e passa tão depressa, que nem nos apercebemos”.Carlos Sá deixa ainda uma mensagem aos mais novos: “não tenham medo, arrisquem e vão vencer... com muito trabalho, porque sem trabalho nada se consegue”.