“Tanto vamos a um restaurante como a uma tasca”
Confraria da Boa Colher de Pau
9 de nov. de 2019, 17:35
— Sónia Bettencourt
É
interdita a homens, mas, confessam as fundadoras, a ideia partiu de um
projecto semelhante exclusivamente masculino. Por outras palavras, o
marido de uma delas
deu o mote, sem saber, a um encontro para as mulheres terem outro tempo
para sair de casa, conviver e reforçar laços com amigas e colegas,
deixando de forma natural o companheiro a cumprir o seu papel de pai,
por exemplo, na ausência da esposa.
Assim,
em dezembro de 2017, nasceu a Confraria da Boa Colher de Pau, na Ilha
Terceira, envolta numa boa dose de humor, inclusive das “caras-metade”
das quatro
professoras – Sandra Rodrigues, Sílvia Valadão, Telma Rocha e Andreia
Bettencourt - que não imaginavam a adesão de outras mulheres à receita
de uma amizade, simples, servida à mesa dos vários restaurantes locais.
“O
primeiro jantar, há dois anos, acontece apenas connosco as quatro.
Somos professoras, já nos conhecíamos. E, na verdade, apesar de nos
vermos até com alguma
frequência, verificámos a necessidade de falar e colocar a conversa em
dia de outra forma”, explica Telma Rocha, assumindo que, na altura,
“tudo começou por brincadeira”. “Foi quase como que um despique com a
confraria masculina”, diz a rir.
“Sim,
até criámos uma acta, por diversão, na toalha de mesa do restaurante e
pedimos um carimbo do próprio estabelecimento para mostrar aos nossos
maridos, comprovando
a eles que estivemos lá”, acrescenta Sandra Rodrigues.
A
propósito, Sílvia Valadão diz que logo surgiram potenciais cenários
para complementar este maior que, no início, parecia resumir-se a quatro
docentes num evento
a dar conta umas às outras das peripécias da vida profissional e
familiar. Então, o primeiro jantar deu lugar também a uma apreciação
atenta dos pratos, da comida, da relação qualidade-preço, da higiene e
segurança, entre outros aspectos considerados relevantes
para quem vai jantar fora, sozinho ou acompanhado.
“Cada
uma pediu um prato diferente. Aliás, o nome da Confraria surge por isso
mesmo”, esclarece Sílvia Valadão, ressalvando que “não são críticas
gastronómicas
nem nada que se pareça”.
Uma
experiência agridoce para o grupo, reconhece Sandra Rodrigues, tendo em
conta que, apesar de feliz pela iniciativa, sentiu necessidade de
partilhar as provas
gastronómicas e os momentos mais caricatos num modelo organizado com
princípios de funcionamento. Contudo, segundo a máxima “todo o bicho ao
nascer é feio”, rapidamente indicaram umas às outras os caminhos a
seguir à semelhança do típico ponteiro de professor.
Não que estivessem a falar com os seus alunos, mas, sim, a orientar as
ideias de quatro para as transformar em algo único perto da designação
de Confraria.
“No
mês seguinte marcámos o segundo jantar, num local diferente, já com a
regra de registar tudo em acta e a intenção de criar os estatutos. Nesse
encontro cada
uma de nós levou uma amiga”, recorda Andreia Bettencourt.
Traz uma amiga também
O
convite à amizade depressa ganhou forma e consistência e, assim,
explica Andreia Bettencourt, os jantares passaram a realizar-se apenas
nos meses ímpares do
calendário para uma articulação atempada face ao número de participantes
e às diferentes áreas profissionais.
“Também era cansativo. Mas agora, com o compromisso assumido deste modo, é melhor”, refere, entretanto, Sílvia Valadão.
Porém,
com mais ou menos disponibilidade, predominam as professoras, diz
Andreia Bettencourt, num universo de enfermeiras, contabilistas,
advogadas e jornalistas
– de resto, donas de casa e profissionais oriundas das Ilhas Terceira,
São Miguel, São Jorge e, ainda, do Continente.
Hoje
em dia, conta a docente de Angra do Heroísmo, somos cerca de três
dezenas, das quais 25 são presença assídua nos jantares, o que trouxe a
mais-valia dos
assuntos ficarem diversificados. Quanto ao núcleo duro mantém as suas
funções iniciais.
“Cada uma de nós tem as suas funções entre tesoureira, secretária, por exemplo”, sublinha.
Telma
Rocha, também de Angra do Heroísmo, reforça que tudo começa com um
convite e que, após três presenças em jantares seguidos, dá acesso a uma
espécie de “próximo
nível” no contexto da Confraria, o qual podemos chamar de “batismo”.
“Mas
se aparecer alguém que queira integrar o grupo, desde que seja com boas
intenções, é caso para se dizer: “seja bem-vinda quem vier por bem””,
ressalva Sílvia
Valadão, da Praia da Vitória, indo ao encontro das palavras da colega
Telma Rocha sobre a identificação com o conceito.
"Desde
que as pessoas se identifiquem com o conceito, podem fazer parte do
grupo. Claro, é mais que uma simples saída de amigas. Mas tem
ultrapassado as nossas
expectactivas pois, a título de curiosidade, conversamos
verdadeiramente, sendo prova disso o uso do telemóvel apenas para tirar
fotografias”, revela a professora.
Conhecer sabores de alfinete ao peito
Antes,
o núcleo duro da Confraria da Boa Colher de Pau tinha a tarefa
acrescida de escolher o restaurante, agora é nomeada uma comissão em
cada jantar para esse
efeito, repartindo responsabilidades.
“Se
precisarem da nossa ajuda, cá estamos, claro, mas deste modo toda a
gente acaba por fazer parte efectiva do grupo”, justifica Sandra
Rodrigues, natural do
Faial, com raízes em Braga, e a viver há quase duas décadas na Terceira,
enaltecendo a importância dos momentos agradáveis nos jantares que,
naturalmente, devem abranger o estabelecimento no seu todo desde a
confecção da comida ao atendimento, passando pelo
preço e pela qualidade.
“Tanto
vamos a um restaurante de cinco estrelas como a uma tasca”, garante
Telma Rocha, partilhando da opinião da colega ao revelar que, no final,
cada uma das
participantes faz a sua votação nas diversas vertentes do restaurante.
“Somos
leigas na matéria, mas naturalmente vamos passar a palavra do lugar
onde estivemos, e recomendar ou não a familiares e amigos. A melhor
publicidade é o
“boca-a-boca””, considera Andreia Bettencourt.
No
futuro, adiantam, enquanto Confraria, gostariam de ter outra atenção
por parte dos restaurantes, no sentido de promover os aspectos positivos
e melhorar os
menos positivos do estabelecimento, ressalvando que o objectivo não
passa por terem tratamento especial, mas, sim, cuidado – de resto, o
que, por norma, deve ser encarado como “comum” nos lugares em causa.
“Se acabaremos por educar? De certa forma, esperamos que sim”, avança Sílvia Valadão.
Quanto
à oficialização da Confraria, explicam as fundadoras, o processo “está
em curso” e, em breve, o projecto, com a sua ideia e prática de “união e
convívio”,
será ainda mais fácil de identificar pela “colher de pau” – na lapela,
feita de madeira, em modo artesanal, tem o condão de se aliar aos saltos
altos, sempre com os olhos postos na “boa comida” e no “convite à
amizade”.
Acreditam
que a designada Confraria da Boa Colher de Pau será pioneira na Ilha
Terceira. Entretanto, dois anos depois da sua criação, querem expandir
e, assim,
esperam a descoberta de novos sabores na ementa dos Açores, magicando
uma viagem à Ilha do Pico no Verão de 2020.
“A
ideia é ir num dia e regressar no outro. Se algum restaurante nos
quiser acolher, estamos abertas a propostas”, remata Telma Rocha.