Tancos, o mistério que abalou as Forças Armadas e o Governo
2018
17 de dez. de 2018, 19:30
— Lusa/AO Online
Tornado público
pelo Exército em 29 de junho de 2017, com a indicação de que ocorrera no
dia anterior, o furto de material de guerra dos paióis de Tancos
permanece um mistério por esclarecer, apesar dos episódios que se
sucederam em 2018, eleitos o acontecimento nacional do ano pelos
jornalistas da agência Lusa.A
polémica em torno do caso Tancos subiu de tom depois da, aparente,
recuperação do material na região da Chamusca, no distrito de Santarém,
em outubro de 2017, numa operação da Polícia Judiciária Militar (PJM).O
então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, e o ex-chefe do Estado-Maior
do Exército, general Rovisco Duarte, nunca mais tiveram descanso,
sobretudo quando foi tornado público que a Polícia Judiciária investigou
a sua congénere militar por suspeitar que o processo de reaparecimento
não passou de uma encenação para encobrir os verdadeiros responsáveis
pelo furto.As
notícias sobre o reaparecimento do material de guerra na Chamusca quase
‘abafaram’ o furto. Investigadas em processos judiciais distintos, que
só viriam a ser unificados há cerca de um mês, numa altura em que, na
Assembleia da República, era aprovada uma comissão de inquérito para
apurar responsabilidades políticas no caso de Tancos, que ainda está no
início dos trabalhos.O
caso sofreu uma reviravolta quando, em outubro passado, a PJ
desencadeou uma investigação à operação da Polícia Judiciária Militar
que levou à recuperação do material militar.As
investigações ao furto e à recuperação do material foram recentemente
apensas num só processo, havendo dez arguidos e estando ainda em curso
“várias diligências”, entre as quais o recurso à “cooperação judiciária
internacional”, segundo a Procuradoria-Geral da República.No
parlamento, foi aprovada uma comissão de inquérito, que iniciou os
trabalhos em 14 de novembro e tem como objeto "identificar e avaliar os
factos, os atos e as omissões" do Governo "relacionados direta ou
indiretamente com o furto de armas em Tancos", de junho de 2017, data do
furto, ao presente, e "apurar as responsabilidades políticas daí
decorrentes".O
furto de Tancos centrará as atenções no parlamento, no próximo ano, com
63 personalidades a ouvir até maio de 2019, incluindo arguidos no
processo judicial, investigadores da PJM, comandantes operacionais e
chefes militares, responsáveis das secretas, o primeiro-ministro,
António Costa, e os ex-ministros da Defesa Aguiar-Branco e Azeredo
Lopes.A
demissão de Azeredo Lopes da pasta da Defesa, mais de um ano depois do
furto, foi explicada com a necessidade de evitar que as “Forças Armadas
fossem desgastadas pelo ataque político ao ministro que as tutela”.Nos
dias anteriores tinham-se avolumado as suspeitas sobre se o ministro da
Defesa teria tido conhecimento de uma operação da PJM que levou à
recuperação do material furtado e que, segundo notícias publicadas na
altura, teriam implicado o encobrimento de suspeitos.Na
carta dirigida ao primeiro-ministro, Azeredo Lopes negou ter tido
conhecimento, “direto ou indireto, sobre uma operação em que o
encobrimento se terá destinado a proteger o ou um dos autores do furto”.A
demissão de Azeredo Lopes, substituído por João Gomes Cravinho, acabou
por ser o mote para a maior remodelação governamental efetuada por
António Costa, que além de Azeredo Lopes substituiu os ministros da
Economia, da Saúde e da Cultura, que passaram a ser ocupados,
respetivamente, por Siza Vieira, Marta Temido e Graça Fonseca.No
Exército, Rovisco Duarte foi substituído na chefia, pouco depois da
posse do novo ministro da Defesa, pelo general Nunes da Fonseca. Quando
apresentou a demissão, Rovisco Duarte justificou perante os militares
que “circunstâncias políticas assim o exigiram”. As
repercussões da demissão de Rovisco Duarte ainda se fazem sentir,
implicando uma reorganização na estrutura superior, sendo a mais recente
a nomeação do novo vice-chefe do Estado-Maior, general Guerra Pereira,
substituindo Campos Serafino, que passou à reserva. O
“mistério” de Tancos começa em 29 de junho de 2017, quando o Exército
revelou que tinham desaparecido granadas de mão, munições e explosivos
dos Paióis Nacionais, no distrito de Santarém, assumindo a violação do
perímetro de segurança e o arrombamento de dois paiolins.O
então chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, foi o
primeiro a admitir publicamente que o material tenha sido furtado com
“informação do interior”, porque os paióis tinham sido “escolhidos a
dedo”, uma alegação que caberá à investigação judicial verificar.Dois
dias depois do furto, Rovisco Duarte anunciou a exoneração “temporária”
dos comandantes das cinco unidades responsáveis pela segurança dos
paióis, que era assegurada através de rondas móveis.O
argumento usado foi a necessidade de não interferirem com a
investigação que decorria, uma explicação que não foi compreendida no
meio militar, registando-se baixas de peso na estrutura superior do
Exército. O
comandante das forças terrestres, general António Menezes, e o
comandante do pessoal, general Antunes Calçada, demitiram-se em
discordância com a decisão de Rovisco Duarte que, 15 dias depois,
renomeou os comandantes exonerados, para as mesmas funções. Na
mesma semana, o jornal online El Español divulgou a primeira lista
pormenorizada do material declarado em falta pelo Exército português, na
qual se incluíam munições, explosivos, fio detonador, granadas
anti-carro, explosivos e granadas de gás lacrimogéneo.Assumindo
o caso como “um soco no estômago” para o Exército, o então chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas, Pina Monteiro, salientou que o
material roubado valia só 34 mil euros e que parte dele, como as
munições anti-carro, estava selecionado para abate, colocando em questão
“a possibilidade de ser usado com eficácia” por terroristas ou quem
quer que fosse.Em
meados de julho de 2017, foram admitidas pelo Exército falhas na
supervisão e vigilância das instalações. O chefe do Estado-Maior mandou
instaurar inquéritos ao funcionamento do sistema de videovigilância, à
intrusão nas instalações e à gestão de cargas e acabou por decidir a
desativação dos paióis de Tancos. O
material militar armazenado na base de Tancos foi transferido para
Santa Margarida, que beneficiou de obras para reforço da segurança do
perímetro e das instalações, e para os paióis da Marinha, em Marco do
Grilo, Seixal, operação que foi concluída no final de outubro do ano
passado.Quando
anunciou a conclusão da transferência, numa operação delicada e
bem-sucedida, das cargas de Tancos para outros paióis, Rovisco Duarte
apresentou-se, em conferência de imprensa, como um general satisfeito. A
maior parte do material furtado em junho tinha sido recuperado pela PJM
15 dias antes e Rovisco Duarte anunciou que tinha até sido recuperada,
no descampado na Chamusca, uma caixa de petardos “a mais”, que não
constava da lista do material em falta.Em
janeiro deste ano, foram concluídos os processos disciplinares abertos
na sequência do furto, por “incitamento a falsas declarações” e
“ausência de rondas”. Para o Exército, o caso era dado como encerrado.Num
relatório entregue ao parlamento em março, Azeredo Lopes remeteu as
respostas sobre “quem, quando, porquê e como” para o fim da investigação
em curso pelo Ministério Público e fez o historial das instalações
militares de Tancos, desde a origem, nos anos oitenta do século passado,
e as suas "constantes dificuldades e insuficiências".