s
Só com tratamento se protege as crianças dos abusadores sexuais
Uma investigadora que traçou o perfil de 62 abusadores sexuais de crianças presos concluiu que a única forma de evitar a reincidência é submetê-los a programas de tratamento, lamentando que estes praticamente não existam em Portugal.

Autor: AO Lusa

 

“Fazer com que o sujeito cumpra a pena não significa que o caso está resolvido”, afirmou à agência Lusa Filipa Carrola, autora do livro “Sexo, Crianças e Abusadores”, que resultou de uma investigação clínico-forense, no âmbito do mestrado em psicologia clínica e da saúde.

A autora avaliou 62 abusadores sexuais de crianças, a cumprir pena por este crime nos estabelecimentos prisionais da Guarda, Covilhã, Castelo Branco e Carregueira (Sintra).

Ao longo de três meses, a investigadora privou com estes condenados, não tendo nenhum deles assumido a culpa pelo crime.

“As frases mais repetidas [pelos abusadores] foram «eu não sei porque aqui estou», «tentaram-me tramar», «eu não sou culpado»”, disse.

Filipa Carrola ouviu algumas justificações para os crimes. Um deles apresentava-se como “uma espécie de messias que gostava apenas de dar amor às crianças”, enquanto outro dizia que preferia que fosse consigo que o menor iniciasse a vida sexual.

Uns garantiam que é “uma forma de dar afeto” às crianças e outros justificavam-no porque “foi ela [a criança] que se pôs a jeito”.

“Nenhum sentia remorso, o que reforça o que é já conhecido sobre o assunto”. Ou seja, “são sujeitos que possuem distorções cognitivas, concebem este crime sem remorsos, culpabilidade e sentimento, porque essa forma de pensar sobre a criança não é tida como má”, explicou a autora.

Ao traçar o perfil de personalidade destes abusadores sexuais, a autora identificou esquizofrenia e um desvio psicopático, o qual é indicativo de rebeldia, de um historial de conflitos familiares, uma inadaptação afetiva ou sexual, impulsividade, ausência de respostas emocionais e afetivas profundas, de reações ou formas de agir e de pensar, de caráter antissocial, bem como de historial de alcoolismo.

Ao nível da saúde mental dos abusadores investigados, esta pautou-se pela existência de patologia ao nível de indicadores sintomatológicos designados por somatização, obsessões-compulsões, sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideação paranoide e psicoticíssimo.

“Uma das mais valiosas potencialidades destes estudos consiste no facto deles possibilitarem o desenvolvimento de programas de tratamento para este tipo de sujeitos e, deste modo, contribuírem para a diminuição da sua reincidência e, logo, para a prevenção deste crime”, defendeu a investigadora, considerando que a pena de prisão não resolve, por si, o problema.

“O tempo de prisão, se não for acompanhado de tratamento, ainda pode contribuir para que o sujeito tenha tempo mais que suficiente para premeditar o crime que vai cometer cá fora”, disse.

Em alguns casos, adiantou, “as fantasias que já tinham e continuam a ter dentro da prisão com as crianças são mantidas e reforçadas por masturbação”.

Por estas razões, Filipa Carrola concluiu que estes poderão voltar a cometer o mesmo delito se não se submeterem a programas de tratamento.

A este propósito lamentou que tais programas sejam praticamente inexistentes em Portugal, ao contrário do que acontece em outros países, onde são, inclusive obrigatórios.

“Sem ser a reação penal – a condenação – não se tem assistido a outro qualquer esforço nem medida para diminuir as taxas de reincidência no que diz respeito ao abuso sexual de crianças”, lamentou.