Sindicato de Jogadores alerta para “crescimento galopante da sobrecarga competitiva”
25 de nov. de 2024, 10:25
— Simão Freitas/Lusa/AO Online
Em
entrevista à Lusa, o dirigente sindical vê como “absolutamente
insustentável” a carga atual de jogos competitivos para os jogadores dos
principais emblemas do futebol mundial, que disputam competições
nacionais e internacionais pelos clubes, jogando também pelas seleções,
com temporadas que podem chegar aos 80 jogos ‘nas pernas’.“Os
dados que têm sido apresentados pela FIFPro [Federação Internacional de
Associações de Futebolistas Profissionais] demonstram um crescimento
galopante da sobrecarga competitiva, que não se reflete apenas no número
de jogos por época. É toda a envolvência que faz com que os jogadores
tenham, além de um risco acrescido de lesão, uma quebra de rendimento
inevitável, com consequências negativas para as suas carreiras”, alerta.Evangelista
assemelha a pressão à de um “rolo compressor que se gera”, entre
viagens constantes e jogos com poucos dias de recuperação, muita vezes
com pouco mais do que as 72 horas mínimas para a recuperação.“Os
jogadores chegaram ao limite, e hoje reconhecem que, com este ritmo, ao
não conseguirem exibir-se ao máximo potencial das suas capacidades,
poderão ver encurtada uma carreira ao mais alto nível”, critica.O
tempo com as famílias, uma quantidade legal de dias de férias, a
recuperação física e mental e o “tempo de qualidade”, são fatores vistos
como fundamentais de salvaguardar.“Costumo
dizer que os jogadores não são ‘cavalos de corrida’, e pode ter a
certeza de que se estivéssemos a falar de corridas de cavalos seria
impossível ter um calendário destes. Atingimos um patamar absurdo”,
lamenta.Para o líder do SJPF, a
sobreposição de competições, entre clubes e seleções, nacionais e
internacionais, “empobrece o espetáculo”, e o descontentamento crescente
encontrou no Mundial de clubes alargado, no verão de 2025 e com Benfica
e FC Porto qualificados, a “gota de água”.“[Reflete]
uma postura autoritária [da FIFA], e sem qualquer preocupação em
envolver a FIFPro, enquanto entidade representativa dos jogadores a
nível mundial. Nesta conjuntura, não restou alternativa que não desafiar
esta atitude da FIFA junto da Comissão Europeia, pela total ausência de
concertação social relativamente às condições de trabalho, saúde e
bem-estar dos jogadores”, afirma.Além da
queixa junto da Comissão Europeia, a FIFPro lançou um recente relatório
que ilustra a situação a que o futebol, quanto aos seus intérpretes de
elite, está a chegar, com os próprios jogadores a posicionarem-se cada
vez mais sobre o assunto, incluindo as ‘estrelas’ do Manchester City, e
da seleção portuguesa, Rúben Dias e Bernardo Silva.“Estou
esperançoso na voz desta geração de jogadores para promover algumas
mudanças. Quer o Bernardo quer o Rúben falaram publicamente com muita
clarividência, nada do que disseram pode chocar quem quer que seja”,
apoia.Se uma greve geral pode ser
complicada devido às diferentes leis laborais nos vários países, admite,
“uma atitude de força que demonstre o boicote a determinados
calendários” pode muito bem vir a estar em cima da mesa, avisa,
sobretudo “se jogadores, treinadores e clubes estiverem alinhados”.Lembrando
as garantias dos trabalhadores a nível de saúde, bem estar e carga
laboral, incluindo horas de trabalho, Joaquim Evangelista alerta que
para as poucas equipas em Portugal em que a questão se coloca (no caso,
as que participam em competições europeias) juntam-se “dezenas de
jogadores portugueses espalhados pelas principais ligas”.“Acredito
que o Governo, assim como os seus congéneres europeus, têm um dever de
fiscalizar e garantir o cumprimento dos tratados que ratificam, mas
também promover a concertação social no setor do futebol profissional,
que já existiu e hoje é verdadeiramente inexistente”, apela.O
dirigente sindical considera mesmo que se corre “o risco de ver jovens
talentos sucumbir”, afetados na saúde física ou mental, “face a toda
esta pressão competitiva”.Os efeitos de um
estado muito frequente de competição, com a tensão e ansiedade
associadas, além da pressão muscular, são “tremendos, a curto ou médio
prazo”, e essa rotina “não é sustentável”, com consequências pessoais e
familiares destrutivas”.O SJPF, de resto,
tem assistido a “cada vez mais jogadores que solicitam apoio
psicológico, por motivos diretamente relacionados com a pressão
competitiva ou quebra de performance”, mas também “afetados por adições
ou em processo de divórcio”.O paradoxo de
“apregoar que os jogadores devem investir na formação e promover um
plano de transição de carreira” e depois dizer “que é normal e saudável
jogar 80 jogos por época e não conseguir sequer gozar o período legal de
férias” é também criticado, com um apelo familiar mas ainda hoje
preciso, considera.“Os jogadores não são
máquinas, por muito que sejam capazes de feitos extraordinários. (...)
Estamos a formatar os jogadores para o modo de sobrevivência”, remata.