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Saúde
Serviço de saúde em total desarticulação
O bastonário da Ordem dos Médicos traça um panorama negro do serviço de saúde, onde identifica uma “total desarticulação” num sistema que "não tem outro remédio" senão pagar a determinados médicos especialistas o que estes exigem.

Autor: Paula Lagarto e Sandra Moutinho, Lusa / AO online
“A desarticulação é total e com perspectivas muito graves”, disse Pedro Nunes à Agência Lusa.

    Para o bastonário, a aplicação de uma lógica puramente económica leva a que, dada alguma carência de médicos especializados em várias áreas, “o sistema não tenha outro remédio do que pagar” o que estes pretendem.

    Pedro Nunes atribui a desarticulação do sistema a políticas que começaram quando António Correia de Campos foi ministro da Saúde durante o governo de António Guterres.

    “A evolução foi sempre no sentido de criarmos o dito mercado: hospitais transformados em empresas, contratos individuais de trabalho”, disse.

    O resultado foi, para o bastonário, a “desarticulação” e dá o exemplo das discrepâncias salariais que se encontram num serviço de urgência.

    “Quem chega a uma urgência encontra médicos a ganhar 10 euros à hora, outros 18 e outros 100”, o que “cria um enorme desconforto”, pois “uma coisa é uma pessoa ganhar mais porque faz mais horas e outra é um médico com 30 anos de carreira ganhar pouco mais de 1.200 euros por mês e ao lado haver outro que ganha 60 mil”, disse.

    Pedro Nunes não vaticina um final feliz: “Isto pode atingir pontos de ruptura do sistema”, se os médicos tiverem de escolher entre o público e o privado. E aproveita para ressalvar que “não foram os médicos a reivindicar isto”.

    A responsabilidade recai sobre “alguém que se lembrou de retirar o défice dos hospitais do défice público, por causa dos célebres três por cento de Bruxelas, pegou nos hospitais e disse que deixavam de ser públicos e passavam a ser privados”.

    Culpas que não se ficam por aqui. “Se tivessem feito isto apenas nos hospitais, mas depois resolveram inventar a roda e encher os hospitais de gestores e administradores”.

    Para o bastonário, “estas modas do privado são modas e é preciso saber até que ponto estas modas têm correspondência real e são eficazes”.

    No caso da medicina, Pedro Nunes assume que tem “as maiores dúvidas”. “Acho que os médicos deviam ser remunerados de uma forma globalmente mais correcta, ou seja, um médico que trabalhe para o serviço público devia ter uma obrigação em termos de trabalho e de horas que fosse assumida e cumprida, com uma remuneração suficiente e justa, dentro do quadro do que é o país (quem quer enriquecer não vai para medicina…)”

    “Defendo uma remuneração básica justa e depois um suplemento para quem trabalhe mais, mas que não seja uma diferença tão grande que crie estes abismos que hoje estão a ser criados e que vão destruir o sistema”, avisa.

    O bastonário não considera que os incentivos sejam a melhor solução e até é contra esta espécie de “cenoura”, mas critica os que atacam os médicos que trabalhem mediante o pagamento destes estímulo.

    “Aparentemente, na sociedade, os valores deixaram de ser importantes e toda a gente só reage à cenoura. Se os médicos fizerem isso, estão apenas a ser modernos”, comentou.

    Sobre os mais recentemente anunciados incentivos para as Unidades de Saúde Familiar (USF) e em relação à vitória proclamada pelos enfermeiros de que não ficarão dependentes dos médicos, Pedro Nunes lamenta “este tipo de reivindicação”.

    “Está no tempo de perder os fantasmas. Médicos e enfermeiros são pessoas condenadas a trabalhar juntas e, em certos casos, há uma liderança médica que tem de ser assim”, disse.

    Pedro Nunes mantém as críticas ao sistema biométrico de controle de assiduidade e pontualidade dos médicos (introduzido nos hospitais), garantindo que “não tem qualquer vantagem”.

    De acordo com o bastonário, este “insulto de António Correia de Campos” foi introduzido para “provocar uma reacção corporativa da parte dos médicos e tornar menos credível a análise que estavam a fazer em áreas como as urgências e o que estava a ser feito pelo Ministério da Saúde”.

    Objectivo que “não foi conseguido” e levou a que alguns médicos agora “trabalhem menos”.

    A indignação levou mesmo alguns clínicos a bater com a porta e muitos outros reduziram os seus horários.

    “Eles ficam todos contentes com a biometria e os médicos também porque fazem mais medicina privada e ganham mais ao fim do mês”, concluiu.