“Sempre me interessei por fazer com que a arte chegasse às pessoas que não têm acesso a ela”

28 de dez. de 2025, 09:00 — Susete Rodrigues

Não se imagina a fazer outra coisa que não seja dançar. Pode até não dançar sempre, mas “imagino-me sempre a trabalhar nessa área, seja como formadora, como produtora, como facilitadora da dança para todos, que é o meu grande objetivo”, confessa-nos Catarina Medeiros. Começou a dançar com 3 anos, “muito por causa da minha irmã mais velha. Como boa irmã mais nova, fui fazendo o que ela estava a fazer, comecei a ter aulas com a Milagres Paz”, mas desistiu “ainda com 5 anos, porque gostava muito da dança contemporânea, mas o ballet clássico não era a minha praia e fui experimentar outras coisas”. Catarina Medeiros conta-nos que esteve no Conservatório Regional de Ponta Delgada, na natação, na ginástica, até perceber que realmente a “dança era o que me motivava” e voltou às aulas com a Milagres Paz mais tarde, “talvez com 14 anos”.  O seu gosto pelas artes foi motivado pela família: “o meu pai era músico amador e a minha mãe fazia teatro de forma amadora. Sempre estiveram ligados às artes e levavam-nos para os seus eventos. Sempre foi uma área que me motivou”. Em 2011 entrou na Escola Superior de Dança de Lisboa, fez licenciatura em dança, “muito sem saber se iria ser a minha área profissional”. Lembra: “concorri para dança e para psicologia, por forma a ter essas duas hipóteses, sendo que queria muito fazer dança, nem que fosse para tirar essa ideia da cabeça”. Ora, de uma coisa Catarina Medeiros tinha a certeza, que era “fazer aquela formação”, mas não tinha a certeza se “seria a minha vida profissionalmente, muito menos que seria feita nos Açores. Era tudo uma incógnita”. Depois da licenciatura fez Erasmus na Roménia. Realizou um estágio de produção e gestão cultural, com uma “bailarina romena que tinha acabado a sua formação. Para mim, foi uma ótima experiência, porque conseguimos criar muitas coisas juntas”, afirmou. No ano seguinte regressou aos Açores e voltou “sempre a achar que ia sair. Concorri para imensos mestrados, várias formações e estágios, e acabou sempre a acontecer alguma coisa, em termos profissionais, que me entusiasmava mais a ficar nos Açores do que a sair”. Disse ainda que na altura, “por causa do Walk&Talk e do Tremor, havia muitos eventos a acontecer, muitos coreógrafos convidados que me interessavam trabalhar, em termos de currículo, e acabei por ficar”. Estagiou na Santa Casa de Misericórdia da Ribeira Grande, realizando um trabalho de dança na comunidade em Rabo de Peixe. Conta-nos que foi o seu primeiro contacto profissional, “como professora, como formadora, como facilitadora da dança”. É pois, “o meu lugar especial (…) Sempre me interessei por fazer com que a arte chegasse às pessoas que normalmente não têm acesso a ela. (...) Sou professora de dança e tenho que ser capaz de chegar a toda a gente e toda a gente tem que ter o mesmo acesso à dança, às artes”. Decidiu fazer uma “especialização na dança, enquanto professora, no sentido de trazer a dança a pessoas com deficiência. Fiz o curso de formadores DanceAbility e uma pós graduação em Arte e Educação Especial e Inclusiva”. A sua ideia sempre foi “que essas pessoas possam ser artistas comigo e criar, juntas, uma comunidade. Unir as pessoas é a missão e acho que a dança faz isso muito bem”. Atualmente realiza esse trabalho e para si “é uma grande aprendizagem porque, como bailarina estamos habituados a métodos diferentes consoante os coreógrafos e quando chegamos a pessoas que têm formas de mover muito específicas é uma ‘chapada de luva branca’. Começamos a repensar o corpo de outra forma. Enquanto bailarina tem sido muito importante esse trabalho porque faz-me ver a dança e a arte de uma forma muito mais alargada e abrangente. É um trabalho muito especial”.Sobre a sua primeira experiência em palco, Catarina Medeiros recorda-nos que era muito pequenina, “foi na minha freguesia, na Covoada e foi meio traumática, na verdade. Lembro-me que não queria, era bastante tímida, muito envergonhada e não queria estar a fazer aquele papel”. No entanto, mais tarde, aquele “espaço traumático passou a ser um espaço de acolhimento e de conforto”, isso porque “a Milagres Paz nos colocava em palco muitas vezes por ano e estávamos sempre a fazer eventos públicos, e isso fez com que a sensação do palco fosse quase casa (...)”. Faz dança contemporânea, “na sua forma mais clássica dentro do contemporâneo”. Mas, com as pessoas com quem foi trabalhando, “sinto que sou muito mais teatral. Acho que me identifico muito mais com o teatro físico, com o ‘clown’, com a performance”, referiu para explicar que “isso também tem a ver com a minha personalidade e com os trabalhos que fui fazendo para e com crianças, que faz com que, às vezes, seja um pouco mais ‘palhaça’ na forma como aborda o palco”.É uma das fundadoras do 37.25 Núcleo de Artes Performativas, que conta já com 14 anos, mas “para nós, parece sempre que ainda é um projeto em construção porque tem sempre margem de crescimento e parece que nunca está finalizado. (...) Também pela forma como ele nasceu, que não foi com o intuito de ser já uma companhia profissional (…). Somos um grupo de pessoas, em que todos participam de forma autónoma e livre. Uns estão mais ligados à dança contemporânea, outros à performance, outros ao teatro, às danças urbanas, mas todos têm a mesma voz ativa. Já não é só um coletivo que faz criações, também dá formação. Temos agora um espaço próprio que é a deriva, que é gerido junto com a Vanessa Canto, é um espaço partilhado entre o 37.25 e MOOT”. Têm vários projetos em desenvolvimento, entre eles, o Derivar que faz chegar a dança a “várias associações, estamos a trabalhar com a Aurora Social, com a Amizade 2000 e com a Alternativa. Temos a Deriva Session, o Paralelo Festival, o ‘Dia 9 às 9’ que acontece em Santa Maria”. Além disso, estou a trabalhar com a Associação de Paralisia Cerebral de São Miguel, um trabalho que desenvolvo desde 2018 em parceria com o Estúdio 13”.Questionada sobre o que representa a dança para si, Catarina Medeiros diz ser “uma pergunta muito difícil, porque às vezes tento pensar a dança como uma persona. Imagino como uma pessoa que comunica comigo - que é muito estranho - porque quando penso em dança, em termos profissionais e estruturais, penso quase como uma pessoa que tem missões, focos e sonhos”. Porém, “depois, como Catarina enquanto bailarina, é uma sensação mais crua porque o corpo é o nosso instrumento, é a experimentação da nossa expressão na forma mais pura e isso é muito intenso. É uma visão mais holística que transcende um pouco o plano físico só do corpo e do movimento”.Se alguma vez pensou em desistir, diz que “nunca. Às vezes vou pensando em desistir mais de uma área para me focar mais noutra. Ou seja, gerir melhor os projetos que me interessam. Mas nunca desistir da dança e nunca desistir de fazê-la nos Açores”. Sobre sonhos diz-nos que tem “grandes e pequeninos”. Gostava que a “Deriva crescesse para um espaço multidisciplinar e que agregasse várias valências. (...) Gostava que tivesse uma sala de espetáculos, mas que também pudesse ter uma escola integrada de educação não formal, que pudesse ter terapias alternativas ligadas à saúde, à psicologia. Esse é o meu sonho, e sinto ser exequível”.