Santos Silva alerta que extrema-direita “é uma doença que pode ser fatal para a democracia”
24 de jan. de 2023, 09:13
— Lusa/AO Online
“Creio
mesmo que o avanço da extrema-direita da Europa é uma doença, é uma
doença que progride, que enfraquece e que pode ser fatal para a
democracia liberal com o forte cunho social que é a democracia
europeia”, declarou Augusto Santos Silva. O
presidente da Assembleia da República discursava na conferência “Não
passarão! O imperativo do combate aos extremistas de direita!”, que
decorreu hoje no ISCTE, em Lisboa, e que foi organizada pelo PS em
conjunto com a Fundação Europeia para os Estudos Progressistas (FEPS) e o
Instituto Karl-Renner. Neste discurso,
Santos Silva quis propor “dez remédios eficazes” para travar a “doença”
do extremismo de direita e procurar “curar as sociedades do seu vírus”.Como
primeiro remédio, o presidente do parlamento destacou que o foco do
combate deve estar “claramente na extrema-direita”, tanto devido a uma
“razão tática” - “é a extrema-direita e não a extrema-esquerda que está a
crescer” -, mas também por considerar que a equivalência entre os
extremismos de esquerda e de direita “é falsa”. “A
extrema-esquerda não pratica a xenofobia, não usa o ultranacionalismo,
não usa a homofobia, não nega as regras democráticas, não é
anti-pluralista, não é antirracionalista, e portanto não é possível
estabelecer nenhuma espécie de equivalência entre os dois extremos”,
sustentou. Apesar disso, Santos Silva
sublinhou que também não se deve ignorar “o populismo que alimenta a
extrema-direita”, salientando que esse tipo de movimento está presente
em vários movimentos que "praticam violência urbana" e "degradam o uso
das greves", apagando "as fronteiras com a extrema-direita" e permitindo
"a circulação entre os dois extremos”. No
que se refere ao papel que a “esquerda democrática” deve desempenhar no
combate à extrema-direita, o presidente do parlamento preconizou que
essas forças partidárias devem ser “intransigentes” com os extremismos
de direita. “Essa demarcação clara da
esquerda democrática face à extrema-direita, contrasta, em vários países
europeus e incluindo em Portugal, com a tolerância e até alguma
cumplicidade que a direita democrática, a direita clássica ou o
centro-direita, vem manifestando para com a extrema-direita”, sublinhou,
numa alusão ao PSD, a que nunca se referiu explicitamente.O
presidente do parlamento considerou que a esquerda democrática deve
“denunciar o populismo onde quer que ele exista” e, numa ‘farpa’ ao
Partido Socialista francês - que, nas últimas eleições legislativas
francesas, se coligou com o partido radical de esquerda França
Insubmissa -, considerou que, “sempre que a esquerda democrática dilui a
sua autonomia política em qualquer amálgama de insubmissos, está a
perder terreno face à extrema-direita”. Apesar
deste denuncia do populismo, Santos Silva defendeu que o combate
"intransigente" com os "líderes e as forças políticas extremistas" não
deve significar que se deva igualmente combater o seu eleitorado. “Uma
grande parte da força do extremismo hoje vem de perceções e de
sentimentos populares de medo, de insegurança, de frustração, e esses
sentimentos não podem ser negados e têm de ser compreendidos”, defendeu.
Perante estes receios dos cidadãos, o
presidente do parlamento apelou ainda a que a esquerda se mantenha
“coerente” e não abdique “das causas e valores que são fundacionais”,
como a “economia social regulada de mercado”, o “crescimento para a
distribuição”, a “fiscalidade progressiva” ou o “cosmopolitismo”. “São
valores constitutivos da esquerda democrática que não devem estar
sujeitos a nenhum efeito de moda, mesmo que a moda conjunturalmente
possa ser a ‘flat rate'”, referiu, numa alusão a uma medida da
Iniciativa Liberal. Simultaneamente,
Santos Silva apelou a que a esquerda democrática não abandone o seu
eleitorado tradicional - citando setores como os pensionistas, os
“operários industriais” ou os agricultores -, e alertou que, caso esses
segmentos sejam abandonados, o mais provável é juntarem-se à
extrema-direita, que “os manipula”. Por
outro lado, o presidente do parlamento pediu ainda que os partidos de
centro-esquerda não “se deixem erodir nem comandar pelas guerras de
trincheira entre identidades".Abordando
depois o papel que as instituições democráticas devem ter no combate ao
extremismo de direita, Santos Silva defendeu que é necessário ser
“frontalmente contrários a qualquer espécie de judicialismo” ou “pulsão
de pensar que os males da política se resolvem fora da política”.Numa
alusão aos casos do Governo, Santos Silva defendeu que se deve “julgar
os ministros pelas políticas que eles realizam” e devem-se julgar “os
partidos políticos pelo resultado das políticas que eles defendem”. “Nós
devemos combater-nos uns aos outros pelas ideias, e não por esta lógica
de tentarmos descobrir a roupa suja que, entre outras coisas, é uma
atividade muito pouco higiénica e muito pouco respeitadora dos outros”,
disse, provocando risos entre a plateia. Num
último remédio, Santos Silva pediu ainda que as forças democráticas
tenham uma “presença assídua em todos os veículos de mediação na
sociedade civil”, procurando designadamente “influenciar” tanto os
“velhos ‘media'” como as redes sociais. “Foram
estes remédios que eu consegui encontrar contra o aumento da
extrema-direita, e devo confessar (…) que eles me parecem bastante
eficazes”, concluiu.