Santa Maria e Terceira unidas por coração em vimes
5 de abr. de 2019, 20:33
— Tatiana Ourique / AO Online
Há convívio no Forno, em Santa Bárbara, na ilha de Santa Maria,
sempre que é tempo de descascar os vimes. Helena Martelo, a residir atualmente
na ilha Terceira, garante que os regressos à ilha do sol são sempre especiais:
“Sempre que posso vou a Santa Maria participar na tarefa de descascar o vime. É
um momento único e inesquecível não só pelo ato em si de descascar o vime e as
técnicas associadas, mas também pelo trabalho comunitário e o convívio entre
gerações onde são partilhadas histórias antigas de quando trabalhavam e
descascavam o vime com os mais velhos. É um trabalho comunitário que ainda
permanece na comunidade rural de Santa Maria. Hoje estão a descascar o vime e
amanhã estão a trabalhar o campo ou a tratar dos animais em comunidade”, contou
ao Açoriano Oriental a fundadora do projeto e marketeer.
A “Organic Flow” vive ao ritmo de residências artísticas onde se criam formas
orgânicas de uma maneira fluída e natural. Pretende promover o artesão e a
comunidade local em território nacional e internacional.
Helena Martelo
licenciou-se em Marketing e Publicidade e assume-se desde
sempre apaixonada pela natureza. Começou muito jovem a colecionar formas
orgânicas, que recolhia durante os seus passeios à beira mar ou no campo e
peças de artesanato, resultantes do saber fazer dos ofícios tradicionais. Gosta
de imaginar formas inspiradas na natureza e recorrer à arte como forma de
expressão. Na sua breve estadia na ilha de Santa Maria, criou, em conjunto com
a artesã Aida Bairos, peças decorativas em vime.
Aida, mariense, cresceu
com a arte de trabalhar o vime. Em criança via o pai a
trabalhar sazonalmente os vimes. No início dos anos 80, experimentou com
sucesso fazer a sua primeira peça em vime e, até hoje, nunca mais parou. Começou
por reproduzir a cestaria tradicional, fazendo uma pesquisa das formas e a sua
utilização até que a arte de trabalhar o vime passou a ser a sua atividade
principal. A sua paixão é transformar o vime e outras fibras vegetais, na
criação de peças utilitárias e decorativas. Procura sensibilizar as pessoas
para a aquisição de peças que no final da sua vida útil são biodegradáveis e tem
como objetivo continuar a criar, inovar e expandir o artesanato em fibras
vegetais.
Helena explicou a origem
deste projeto-coração”: “no âmbito de uma formação em tendências de mercado, que fiz com a
empresa italiana Future Concept Lab. Foram desenvolvidos estudos a nível
regional, em termos de hábitos e tendências de consumo sustentáveis, em
comparação com os dados recolhidos a nível internacional, que demonstraram um
mercado em expansão e a identificação de um segmento de pessoas com hábitos de
consumo mais consciente e amigo do ambiente. O Organic Flow procura o “Chic
Artesanal”, esculturas amigas do ambiente, as origens dos objetos artesanais, a
beleza da natureza em peças de decoração, uma estética natural e esculturas
orgânicas. O projeto Organic Flow iniciou-se na coleção
“Coração” com a artesã Aida Bairos, dando vida às pedras em forma de coração
recolhidas nos passeios à beira mar na Praia Formosa. Foram criados vários
protótipos do coração tridimensional até chegar à escultura final”. A artesã
diz ainda acreditar num contributo para um mundo melhor: “uma menina de 8 anos,
quando viu o coração, disse-nos que podíamos dar a meninos maus para ficarem
bons!”
A própria matéria prima
tem um tempo que só a natureza decide: “é um processo que não é
imediato e que tem de acompanhar o ritmo da natureza e das estações. O vime é
local. Cresce de uma forma natural na ilha de Santa Maria, na freguesia de
Santa Bárbara, no lugar do Forno. Em finais de janeiro, principio de fevereiro
o vime é colhido, cozido e descascado. Depois segue-se a secagem do vime para
poder ser trabalhado e armazenado. É um processo muito sensorial”.
Questionada sobre a
distância geográfica entre as duas artesãs, Helena diz que este processo vive
ao ritmo dos vôos: “Este projeto não tem pressa. Ele flui de uma forma orgânica. Temos
tempo para respirar e pensar a peça. Por vezes trabalhamos em Santa Maria,
outras vezes na Terceira. Somos uma região insular e arquipelágica que nos
marca. Costumamos trabalhar ao ritmo dos horários dos aviões. Já estive em vias
de perder vários aviões. Quando nos juntamos trabalhamos longas horas com
prazer. Temos de respirar ao ritmo da peça: inspira e expira sem forçar o
processo criativo. Temos de trabalhar calmamente as peças para estas nascerem
de uma forma natural e saudável.”
O “Organic Flow” não
dispensa as novas plataformas de comunicação e estará disponível em breve num
website para chegar a mercados internacionais. “Primeiro Europa, depois quem sabe os Estados
Unidos e o Canadá. São mercados muito competitivos, mas muito importantes. Estamos
também a estabelecer contactos com lojas selecionadas a nível regional e nacional.
Terminámos recentemente uma encomenda para uma loja, na região de Lisboa, que
vai expor e vender a nossa primeira coleção de corações. Encomendaram-nos três
tamanhos de corações”.
Para onde quer que vá, Helena leva o coração (o de vimes) com ela:
“Gosto de ver a reação das pessoas. As pessoas gostam de tocar, sentir e
cheirar o coração. As reações têm sido muito boas. Esperamos fazer muitos
corações enquanto preparamos a nova coleção dedicada ao mar”.
Depois dos corações unicamente em vime já se perspetiva a inserção
de novos materiais: “Já estamos a trabalhar em novas peças e a preparar os
protótipos para começarmos a criar com diferentes materiais: cerâmica, vime e
madeira. Em setembro deste ano vamos avançar com mais uma residência artística,
desta vez com dois artesãos regionais”.
Mas ste não é um projeto apenas a 4 mãos. A família faz parte do
projeto. Participam ativamente no processo de criação: “Quando regresso de
Santa Maria as peças são avaliadas uma a uma pela família. São muito exigentes! Os amigos também se envolvem, tanto em Santa Maria como na
Terceira, na avaliação da peça”.
Apaixonado pelo projeto ficou também o fotógrafo Pepe Brix que “passou uma tarde convosco em Vila do Porto, no atelier da Aida
Bairos, para fazer o registo fotográfico do nosso trabalho. Ofereceu-nos as
fotos para divulgarmos o projeto”.