Autor: Lusa/AO Online
Em declarações à agência Lusa, a diretora da Cultura da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) adiantou que a candidatura foi entregue na semana passada à comissão nacional da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e inclui 89.929 sinais que acompanhavam as crianças deixadas na “roda”.
A Roda dos Expostos, como se chamava, era um mecanismo cilíndrico, de madeira, instalado em instituições como a Santa Casa da Misericórdia, que permitia que um bebé fosse ali deixado anonimamente, e que foi criado como alternativa ao abandono na rua ou ao infanticídio.
Teresa Nicolau explicou que, ao longo dos anos, a instituição “teve o cuidado de digitalizar e de trabalhar estes mais de 89 mil sinais expostos à roda”.
“Este arquivo, para além de ser o maior do mundo, porque é em termos de quantidade nesta área, é também um dos mais bem preservados”, revelou.
Estes sinais eram objetos que os pais deixavam junto do recém-nascido que era colocado na Roda dos Expostos para que fosse possível identificá-lo no futuro.
“Temos sinais que contemplam desde mechas de cabelo, a pequeno pedaço de fita, cartas de lugares rasgadas ao meio, fotografias, fitinhas às vezes em seda, em tecidos muito, muito nobres, outros não”, explicou.
Segundo Teresa Nicolau, a candidatura a património da UNESCO é feita em conjunto com Argentina, três instituições da Bélgica, com a cidade italiana de Florença e tem também sinais do arquivo da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
Teresa Nicolau disse que, depois da candidatura entregue, pode demorar cerca de um ano e meio até que haja uma resposta por parte da UNESCO.
A responsável apontou que a candidatura conjunta não só tem mais peso, como demonstra que “estes sinais tinham uma espécie de linguagem universal nas rodas pelo mundo inteiro” e explicou que a exposição é um dos requisitos da candidatura.
Teresa Nicolau disse que a exposição “Filhos de Todos … filhos de quem? Os expostos da roda de Lisboa” é inaugurada no dia 17 de novembro e vai estar patente até 29 de março de 2026, e salientou que “a inovação desta grande exposição” está no facto de “contar as histórias das pessoas”, nomeadamente através de testemunhos reais de “descendentes de crianças que foram expostas à roda e [de] quem a Santa Casa cuidou”.
“Nós somos a única instituição em que acolhemos uma criança e a sua descendente, a sua bisneta, tornou-se provedora da Santa Casa”, contou, referindo-se a Ana Jorge, provedora da Santa Casa de Lisboa entre maio de 2023 e abril de 2024, cuja bisavó foi deixada na roda, criada por uma ama de leite, tendo mais tarde casado na Igreja de São Roque, em Lisboa.
A diretora da Cultura recordou outro momento de uma “comoção incrível”, quando em 15 de janeiro de 2025 abriram uma carta que estava no arquivo, datada do século XIX, relativa a uma criança chamada Maria das Dores.
“Quando nós abrimos a carta, a carta tinha a data de 15 de janeiro de 1825. Ou seja, nós, exatamente no mesmo dia, 200 anos depois, abrimos a carta da Maria das Dores novamente. E isso foi de uma comoção incrível”, relatou, acrescentando que posteriormente descobriram que a criança tinha não só sobrevivido à “roda”, como saiu da Santa Casa aos 27 anos para se casar.
“Foi absolutamente comovente como esta Maria das Dores sobreviveu e estivemos com ela 200 anos depois”, acrescentou.
Teresa Nicolau referiu que a data escolhida para a inauguração da exposição assinala os 500 anos da morte da Rainha Dona Leonor, fundadora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e salientou que a exposição inclui também obras de Paula Rego, Almada Negreiros, Júlio Pomar e Graça Morais, além da “única obra de Leonardo Da Vinci em Portugal”, um desenho de uma mulher a dar banho a uma criança, que estava em repouso desde 2021 e que é Tesouro Nacional.
Disse ainda que a SCML vai candidatar o Arquivo Histórico da instituição a Tesouro nacional.