s
Roteiros atlânticos da casa senhorial seriam mais um atrativo

Isabel Soares de Albergaria, presidente da Comissão Organizadora do Colóquio “A Casa Senhorial em Portugal, Brasil e Goa”


Autor: Ana Carvalho Melo

Qual a importância da realização do IX Colóquio Internacional “A Casa Senhorial em Portugal, Brasil e Goa. Anatomia dos Interiores. Centros e periferias, encruzilhadas e circulações” em São Miguel?

Este é um evento que começou como um Colóquio Luso-Brasileiro, em 2010, e que tem vindo a realizar-se em várias localidades e a alargar os seus territórios.

O tema de base é a casa senhorial do período antigo - portanto, do Antigo Regime - mas também do século XIX, depois da Revolução Liberal, que vai unindo estes territórios que pertenceram a Portugal ou que tiveram influência portuguesa, quer em Portugal continental, quer nas ilhas, quer no Brasil, quer até em Goa.

É muito importante aprofundar o conhecimento desta realidade, que é multifacetada, porque a casa representava uma instituição: não era só um lugar de residência, era um lugar de poder, era um lugar de representação social e também de administração militar e civil. Pelo que tem toda esta importância, tanto pelo lado sociológico como pelo lado material da construção, da arquitetura, das técnicas construtivas, de tudo aquilo que representam os saberes acumulados no tempo e as transformações do gosto, que foram também sendo plasmadas na casa.

Em São Miguel, o que temos para mostrar aos participantes neste congresso?

Nós tentamos conjugar a parte das conferências com visitas de campo, onde vamos visitar algumas casas em Ponta Delgada e nos concelhos da Ribeira Grande, Vila Franca e Povoação. Portanto, será apenas um aperitivo, mas é o que é possível, dado que considerámos que era muito importante este contacto direto com o objeto, onde se podem realmente trocar experiências e partilhar conhecimentos perante os objetos concretos e os ambientes.

Muitas destas casas já foram reocupadas com outras funções e pertencem hoje a entidades de diferente natureza, mas algumas ainda se mantêm em mãos privadas, e é importante chamar a atenção para o facto de que estes proprietários são guardiões de um património inestimável, pelo que é necessário terem algum reconhecimento e algum apoio.

Como é que se pode descrever este património aqui na Região? Tem características distintas?

Sim, tem características distintas. Nós participamos dessas relações próximas e distantes, quer com o continente português, quer com espaços mais alargados, nomeadamente com o Brasil e a Europa.

Mas depois desenvolvem-se localismos, aspetos locais que têm a ver com o facto de termos uma arquitetura muito mais empírica, muito mais ligada aos saberes tradicionais, em que os mestres de obras, os carpinteiros, os pedreiros, etc., desenvolvem técnicas e soluções próprias - o que dá um vernacularismo particular às nossas casas.

Além disso, a dimensão também é mais reduzida, menos aparatosa, mas não deixa de ser representativa daquilo que é a nossa realidade.

Pode-me dar exemplos dessas casas?

O maior palácio construído nos Açores é o Palácio Fonte Bela, que atualmente alberga a Escola Secundária Antero de Quental. Temos também o Palácio de Sant’Ana, que foi residência da família Jácome Correia e é hoje a residência oficial do Presidente do Governo Regional dos Açores. Mas existem outros, como o Palácio dos Remédios, na ilha Terceira, que atualmente acolhe a Secretaria Regional da Saúde e Segurança Social.

Temos outros que foram transformados em hotéis, como, recentemente, o Hotel Mercure, que se localiza num palacete já do final do século XVIII e que pertenceu aos barões de Nossa Senhora da Oliveira. Enfim, há vários exemplos.

Como vê o futuro deste património?

Essa é sempre uma grande questão, porque são testemunhos do passado, de realidades pretéritas, de um modo de vida e de significados que pertencem realmente à história, mas nem por isso deixam de ser menos significativos, porque nós temos de ter os nossos valores culturais ancorados na história, nas tradições e num sentido de continuidade. Como tal, é muito importante a preservação deste património, o que tem sido difícil, porque faltam especialistas, quer para o restauro e a recuperação, quer os recursos financeiros.

Eu penso que há espaço para que estas casas sejam verdadeiramente âncoras de narrativas sobre muitos aspetos que ligam as artes decorativas, os aspetos da arquitetura, a paisagem, os jardins e que podem estar associados a uma ideia de turismo cultural.

Nós temos grande vantagem em estabelecer estas pontes com outros territórios, nomeadamente aqueles com os quais tivemos grandes relações: o Brasil, o norte de Portugal, Lisboa - enquanto Corte - e também com as ilhas da Macaronésia, onde ainda existe algum deste património. Nesse sentido, podíamos criar roteiros atlânticos da casa senhorial, que funcionariam como mais um atrativo para o destino Açores, tornando-o também único nesse aspeto.

Eu não me canso de sublinhar que os Açores não são só natureza. Aliás, a nossa natureza é muito humana, muito transformada, muito antropomorfizada. O património edificado e o património imaterial são dimensões também muito importantes e muito ricas nos Açores.

Os trabalhos de reabilitação que têm vindo a ser realizados, têm conseguido preservar também a identidade?

Tem-se destruído muito e muitas coisas estão em estado de ruína.  Eu não me canso de chamar a atenção para o caso da Quinta das Necessidades, que era uma das mais fantásticas casas nobres dos Açores e que está num estado de ruína lamentável. Eu sei que existe um projeto para a sua recuperação e integração num projeto turístico, mas até agora nada foi feito, e muito tem sido vandalizado. Esse é um caso particular que me incomoda especialmente.

Há também uma visão por vezes distorcida do que é a conservação do património, que se resume à conservação das fachadas, ao “fachadismo”. E isso não é, de facto, preservação. A casa é um espaço, e não uma fachada.

Mas também há alguns bons exemplos de edifícios que têm sido recuperados.