“Ressaca” da carreira leva Vanessa Fernandes a procurar a simplicidade da vida
27 de out. de 2021, 08:19
— Lusa/AO Online
Após a antestreia
da curta-metragem “72 horas antes”, sobre os três dias anteriores ao
segundo lugar na prova olímpica, em que competiu já com o diagnóstico de
depressão e terminou atrás da australiana Emma Snowsill.“Durante
a entrevista, senti muita libertação. Foi um bocado terapêutico ver
como foi a minha história, sem me massacrar com ela. Aceitei, sem sentir
pena ou querer causar pena. A vida é para andar para a frente, mas até
me reencontrar ainda bateu durante algum tempo”, admitiu a ex-atleta.Em
declarações aos jornalistas, 13 anos depois, Vanessa Fernandes assumiu
querer “abrir uma porta” e “sensibilizar para a saúde mental”,
reconhecendo que esta questão ficou no auge com as desistências da
ginasta norte-americana Simone Biles nos Jogos Olímpicos Tóquio2020, no
último verão.Aos 36 anos, a antiga atleta
natural de Perosinho, em Vila Nova de Gaia, protagoniza a película
realizada por Miguel C. Saraiva e produzida através do projeto Betclic
NXT, promovido pela empresa de apostas desportivas, aproveitando para
retribuir o apoio que sentiu durante a carreira.“Sempre
tive muitos apoiantes, Portugal sempre me apoiou, e também acho que
devem saber onde estou, porque desapareci muito rapidamente”, admitiu.Nesse
sentido, Vanessa Fernandes sofreu com o fim da carreira, após ter sido
suplente na maratona nos Jogos Rio2016, e tentado, no ano seguinte, o
regresso ao triatlo.“Estão a ver uma
ressaca? É mais ou menos assim. Quando saí do desporto senti esse
impacto. É o desvincular de uma identidade, quebrando tudo o que
acreditei sobre mim durante a carreira, para entrar numa nova vida e uma
nova linha de pensamento. A viver o mais simples possível”, admitiu.Numa mudança que, segundo a própria, é radical e relaxante.“Fui
tão habituada a viver com estímulos, para ganhar, para conquistar
prémios, dinheiro, fama e patrocínios. E agora tenho de saber viver
nessa simplicidade e é um alívio muito grande. Preciso de pouco para me
amar e é nessa simplicidade que me vou encontrando e me sinto bem. E
tenho também tentado resgatar a minha parte feminina, que foi aniquilada
durante muitos anos”, explicou.Admitindo
que gostaria de ser treinadora ou ter um papel na formação de jovens,
Vanessa Fernandes assumiu ter “muitos sonhos, muitas coisas que gostava
de construir”, deixando alguns conselhos a jovens atletas que possam
estar a replicar o seu percurso: “Respeita sempre os teus limites e faz
apenas o que estás preparada para fazer. E dizer não, quando tivesse de
dizer não”.“Não era a questão de desistir,
acho que era de fazer as coisas de maneira diferente e de enfrentar o
outro. Às vezes encaramos os treinadores como deuses, quem manda, a quem
não se pode dizer que não. Se calhar, devia, quando estava a ser
difícil, devia ter dito basta, tendo uma comunicação completamente
diferente”, salientou.Depois dos agora
assumidos anos de ‘ouro’, com os cinco títulos europeus absolutos
consecutivos, entre 2004 e 2008, o recorde de 21 vitórias em taças do
mundo e, sobretudo, com o cetro mundial em 2007 e a prata olímpica no
ano seguinte, Vanessa Fernandes arriscou na maratona e, na estreia, em
novembro de 2015, conseguiu os mínimos para o Rio2016.“Quando
as coisas são mais descontraídas, as coisas correm sempre melhor. Mas o
meu início no desporto foi superespontâneo. As coisas só começaram a
ser mais intensas a partir de 2006 e 2007, quando começou a ficar muito
tenso. Porque foi um ‘boom’ muito grande”, realçou.Questionada sobre se guardava algum rancor, a vice-campeã olímpica assumiu a quota-parte da culpa.“Eu
não falo de mágoas. Houve coisas que me marcaram. Houve atitudes... Por
vezes, senti que houve um momento em que não me respeitaram, mas também
foi porque eu permiti”, concluiu.