Residentes nos Açores alertam para efeitos do turismo na qualidade de vida
30 de set. de 2022, 17:56
— Lusa/AO Online
“Esta situação caótica
começa a trazer algumas consequências desagradáveis e, tomando como
exemplo o que se passa noutros lugares do mundo, onde a massificação
turística é uma realidade, achámos que devíamos juntar-nos neste dia”,
afirmou, em declarações à Lusa, Blanca Martin-Calero, referindo-se ao
Colapse Tourism Day, que se assinala esta sexta-feira com manifestações em várias
cidades do sul da Europa.Residente na ilha
de São Miguel, Blanca disse que o problema afeta as várias ilhas dos
Açores, mas é mais evidente na maior ilha do arquipélago, que recebe
também mais turistas.Segundo a moradora,
os efeitos são já visíveis, por exemplo, na “subida do preço da
habitação”, que se torna “incomportável para os locais”, no
desaparecimento do comércio local, substituído por serviços “que só
servem ao turismo”, e na dificuldade de acesso a espaços públicos, como
miradouros e lagoas.“No fundo, há uma perda da vivência dos espaços e da identidade pelos residentes”, apontou.A
manifestante alegou que isso acontece porque a região não tem
“instrumentos para ordenar o turismo” e considerou “preocupantes” as
declarações mais recentes da secretária regional do Turismo sobre o
assunto. “Diz que não temos massificação,
só temos alguns pontos onde há concentração de pessoas, mas isso não é
verdade. Há muitas outras coisas em questão e não podemos cair nesse
discurso tão simplista”, salientou.Blanca
Martin-Calero defendeu que o Plano de Ordenamento Turístico da Região
Autónoma dos Açores (POTRAA) e os Planos Diretores Municipais (PDM) têm
de definir “linhas vermelhas”, para evitar um crescimento descontrolado
do turismo.“O Governo, o que está a fazer,
é vender um turismo sustentável e de natureza, mas depois, na prática,
os instrumentos legais que temos não refletem isso. Vendemos um
‘slogan’, mas na realidade estamos a permitir outras coisas”, frisou.Segundo
a moradora, isso leva a que os turistas se sintam “defraudados” e que os
residentes vejam a sua qualidade de vida “significativamente piorada”.“Está
a haver um movimento diferente. Haverá quem diga que isso também dá
vida à cidade. A questão é sempre de equilíbrio. A massificação não será
igual numa cidade como Veneza e numa cidade como Ponta Delgada”,
observou.Se não forem criadas regras que
definam, por exemplo, capacidades de carga e tipos de alojamento, pode
estar em causa a “identidade” dos Açores, alertou.“Isso
também tem a ver com o consumo de recursos. Somos ilhas, somos
altamente dependentes do exterior. Se virarmos toda a nossa economia
para o turismo, vamos ficar cada vez mais frágeis e mais dependentes do
exterior. Temos de pensar numa estratégia a longo prazo, que é uma coisa
que não há”, defendeu.Blanca
Martin-Calero reconheceu que a adesão a manifestações nos Açores não
costuma ser muito elevada, mas garantiu que já se começa a sentir em São
Miguel algum descontentamento com o crescimento do turismo.“Há
muita conversa informal em que as pessoas se queixam disso e dizem «fui
à Poça da Dona Beija e não consegui entrar, porque havia fila» ou «o
peixe está caro». As pessoas que estão à procura de casa e não conseguem
alugar uma casa. São efeitos desta falta de regulação e de se vender
tudo ao turismo”, lamentou.