Reservas de água subterrâneas em risco devido às alterações climáticas
30 de nov. de 2023, 15:55
— Lusa
O estudo, publicado no
sábado na revista cientifica Scientific Reports, do grupo Nature,
analisou “um conjunto de dados sem precedentes” recolhidos ao longo de
um ano em grutas de vários pontos do globo, desde as regiões subárticas
às tropicais, incluindo, em Portugal, grutas no centro do país, no
Algarve e nos Açores.Ao longo de um ano, a
cada duas horas foi medida a temperatura em grutas e à superfície,
totalizando mais de 100.000 medições, que “demonstram que a temperatura
nas grutas corresponde à temperatura média anual da superfície para cada
local”, disse Ana Sofia Reboleira, Professora na Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa e investigadora no Centro de Ecologia,
Evolução e Alterações Ambientais, à agência Lusa.Segundo
a bióloga “as grutas responderam com três padrões diferentes”: um em
que a variação da temperatura exterior se reflete na gruta com um
pequeno atraso, outro em que as temperaturas na superfície rapidamente
se refletem no interior e, um terceiro em que funcionam em espelho,
quanto mais baixa a temperatura à superfície mais alta dentro da gruta e
vice-versa.Mais surpreendente, foi a
descoberta da “existência de ciclos térmicos diários em algumas
cavernas”, considerada pela investigadora “particularmente interessante
porque em ecossistemas com total ausência de luz, os organismos carecem
de ritmos circadianos, ou seja, ritmos biológicos marcados pela natural
cadência do dia e da noite controlada pela luz solar à superfície”.Esta
descoberta “mostra que estes ciclos térmicos diários podem
potencialmente controlar os ritmos biológicos dos organismos
subterrâneos”, uma hipótese que se coloca pela primeira vez na história
da Biologia.“Estes ecossistemas são
habitados por espécies únicas que têm um papel importantíssimo naquilo
que os cientistas chamam os serviços dos ecossistemas” já que, explicou,
“são estes animais que garantem a reciclagem dos nutrientes em
profundidade, de alguns contaminantes que lá chegam, que controlam o
crescimento bacteriano e outro tipo de problemáticas que nos podem
afetar”.Tratando-se de organismos
adaptados a baixas amplitudes e reduzida variabilidade térmica o aumento
das temperaturas em vários graus, devido às alterações climáticas,
“seguramente afetará estes organismos responsáveis por garantir o bom
estado ecológico destas massas de água” subterrâneas, que representam
97% dos recursos totais de água doce disponível para o consumo humano
imediato.De entre as grutas tratadas no
estudo, a cientista destaca o caso de uma em Loulé que registou a
temperatura mais elevada à superfície, com mais de 39 graus, e outra nos
Açores, com a maior amplitude térmica, com uma variação de 8,8,
explicada pelo facto de ser uma gruta vulcânica.O
impacto das alterações climáticas, aliado ao facto de os ecossistemas
subterrâneos “serem constantemente negligenciados nas agendas políticas e
públicas”, levam os investigadores a avançar agora com estudos
laboratoriais “sobre os efeito da subida das temperatura nestes
organismos” visando estimar as temperaturas máximas que estes
conseguirão aguentar.O estudo agora
publicado contou, além da coordenadora, com a participação de Maria João
Medina, aluna de mestrado em cuja dissertação se inclui o estudo, e de
Paulo Borges da Universidade dos Açores. A nível internacional o
trabalho envolveu investigadores dos Estados Unidos, Sérvia, Eslovénia,
Noruega, Espanha (incluindo Ilhas Canárias), Croácia e ilha de Guam, no
Pacífico.