Relatório avisa para riscos do aumento do uso do papel em embalagens de alimentos

12 de set. de 2023, 17:41 — Lusa

“No caso das embalagens de alimentos e bebidas, o nível e a qualidade da reciclagem são inibidos pelos revestimentos e compósitos, que dificultam os processos de reciclagem”, referem os autores do relatório do Gabinete Europeu do Ambiente (EEB, na sigla inglesa) sobre os riscos de “embalagens alimentares descartáveis à base de papel: a falsa solução para a crise dos resíduos”.Os autores salientam que, “em 74% das amostras testadas, os plásticos eram mais recicláveis do que as alternativas compostas de papel”, uma situação que é agravada pela falta de fiscalização do setor.“Em geral, pouco mais de metade do papel e do cartão produzidos utilizam fibras recuperadas. Teoricamente, o papel e o cartão podem ser reciclados cerca de oito vezes, mas, em média, as fibras de papel europeias são recicladas apenas 3,5 vezes”, pode ler-se no relatório, que indica Portugal como o quarto maior fornecedor de pasta de papel para o setor na UE, a seguir ao Brasil, Suécia e Finlândia.O caso brasileiro é destacado no relatório. Com 3,6 milhões de toneladas anuais de pasta de papel e 20% do comércio total na UE, o Brasil triplicou, nas últimas duas décadas, a sua produção, cobrindo atualmente o dobro da superfície da Bélgica em hectares.“As plantações de eucaliptos e pinheiros no Brasil estão a agravar a escassez de água, os incêndios florestais e a perda de biodiversidade", alertam os autores, que defendem soluções alternativas ao papel, como materiais reutilizáveis, ou, pelo contrário, uma maior exigência de reciclagem do ciclo de vida dos materiais.“O papel e o cartão são o grupo de materiais de embalagem que regista o crescimento mais rápido na Europa. As embalagens à base de papel continuam a ser a maior fonte de resíduos de embalagens na União Europeia”, com 41,1%, num total de 32,7 milhões de toneladas em 2020, mais do dobro que os dois outros materiais seguintes combinados (plástico, com 19,4%, e vidro, 19,1%).Perante os “impactos ambientais e socioeconómicos associados ao plástico”, as “embalagens em papel são cada vez mais comercializadas como alternativa sustentável”, mas os autores do relatório apontam que este material tem riscos adicionais, porque o material “é quase sempre combinado com plásticos e revestimentos químicos”.“As embalagens à base de papel no setor dos alimentos e bebidas apresentam múltiplos desafios ao longo do seu ciclo de vida, incluindo o impacto das indústrias da pasta de papel e das embalagens nas alterações climáticas, na perda de biodiversidade, no ‘stress’ hídrico e na desflorestação”, entre outros fatores, como a “utilização extensiva de produtos químicos perigosos - muitos dos quais podem migrar para os alimentos e acabar nos nossos corpos”, pode ler-se no estudo.De acordo com o documento, "a produção de papel é responsável por cerca de 35% de todas as árvores abatidas” no mundo e, na Europa, já há impactos concretos desta pressão da procura.“As florestas finlandesas tornaram-se um emissor líquido de dióxido de carbono devido ao excesso de cobertura florestal e 76% dos habitats florestais finlandeses estão classificados como ameaçados”, enquanto na Suécia, a capacidade das árvores de capturarem CO2 “foi reduzida em cinco milhões de toneladas devido à exploração excessiva”, refere o relatório.Além disso, o “papel continua a ser o segundo maior fluxo de resíduos transferido para países terceiros, a seguir aos metais ferrosos”, com “12,4% do papel recolhido para reciclagem na UE (representando 4,4 milhões de toneladas) exportado, a maior parte do qual para a Ásia (principalmente Índia, Indonésia e Turquia)”.No caso dos químicos utilizados em embalagens alimentares de papel, os autores identificam vários que podem causar “cancro e perturbar o sistema reprodutivo e hormonal humano”.“A análise das embalagens de papel para 'take-away' e dos utensílios de mesa na Europa revelou que 32 dos 42 artigos testados tinham sido deliberadamente tratados com produtos químicos perfluoroalquilados (PFAS), [com um ciclo de vida muito longo e riscos para a saúde], incluindo muitos rotulados como biodegradáveis ou compostáveis”.Por isso, o EEB insiste que este problema deve ser abordado nas discussões no Parlamento Europeu sobre o regulamento da UE relativo a embalagens e resíduos de embalagens.“A comercialização de produtos de utilização única à base de papel como alternativas sustentáveis ao plástico está a induzir em erro os cidadãos e os decisores políticos” e “os legisladores têm de aproveitar a oportunidade para travar os níveis crescentes de resíduos de embalagens provocados pela dependência excessiva de aplicações descartáveis”, consideram os autores do estudo.O EEB é a maior rede de organizações ambientais da Europa, constituída por mais de 180 entidades em 40 países.