Relação de Lisboa recusa separação do processo a arguidos suíços
Caso BES
26 de dez. de 2022, 13:27
— Lusa/AO Online
Segundo um recente
acórdão daquele tribunal, a que a Lusa teve acesso, os juízes
desembargadores da 9.ª Secção Criminal decidiram rejeitar o recurso,
mantendo a anterior decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal
(TCIC) de recusar a delegação de competência na Justiça suíça do
procedimento criminal contra aqueles dois arguidos singulares e a
empresa Eurofin Investiments, que é uma sociedade comercial de direito
suíço. Em causa estava um despacho
proferido pelo TCIC, que em 15 de fevereiro de 2022 recusou a pretensão
dos arguidos de enviar o processo contra si para a Suíça.Os
três arguidos alegavam estarem preenchidos os requisitos para que os
autos fossem delegados nas autoridades judiciárias suíças, invocando
ainda que o despacho do TCIC violava a lei e a Constituição portuguesas,
pelo que decisão do TCIC devia ser revogada.Segundo
os recorrentes, a delegação do processo nas autoridades suíças
"mostra-se justificada, tanto pela boa e eficaz administração da
justiça, quanto pela circunstância de ser na Suíça que os arguidos
poderão vir a cumprir eventuais penas decorrentes destes autos, pelo que
só as entidades suíças se mostram posicionadas para avaliar o contexto
da ressocialização visado pelas penas".O
recurso argumentava ainda, entre outros pontos, que os arguidos têm
nacionalidade suíça, "residem e sempre residiram na Suíça, são
francófonos, não falam, não percebem (o arguido Michel Creton) ou não
dominam (o arguido Alexandre Cadosh) a língua portuguesa", pelo que
seriam “prejudicados na sua defesa”, além de que os atos a praticar
estariam “sujeitos a sucessivos e inevitáveis atrasos, com prejuízo para
os demais arguidos e para a administração da justiça".Alegavam
ainda os recorrentes que o processo BES já dura há oito anos,
tratando-se de "uma investigação longa, que teve por objeto a eventual
prática, pelo Grupo Espírito Santo (GES), através de entidades
financeiras não sujeitas a supervisão do Banco de Portugal, de infrações
económico-financeiras, cometidas de forma organizada e com dimensão
internacional ou transnacional. "O
processo conta com 25 arguidos e tem como objeto factos indiciadores da
prática, no total, de 346 crimes, pelo que, manifestamente, trata-se de
um processo que demorará muitos anos a ser concluído. Aliás, avaliado o
percurso que o processo teve até à dedução da acusação, não se prevê que
o processo ganhe outra velocidade nas fases de instrução e julgamento”,
referia ainda o recurso de Etienne Cadosh, Michel Creton e Eurofin.Os
arguidos sublinhavam que “foram precisos mais de 8 meses” para
receberem a notificação da acusação, devidamente traduzida na sua língua
materna.O Ministério Público (MP) opôs-se
à pretensão do recurso, contestando os seus fundamentos e sublinhando
que aos arguidos suíços, enquanto intervenientes processuais nos autos,
"também compete zelar pela celeridade almejada" da justiça portuguesa. Lembrou
ainda que, quanto ao direito a uma decisão num prazo razoável e
mediante um processo equitativo, conforme reclamado pelos arguidos
suíços, este "assiste em igual modo e proporção aos arguidos residentes
em território nacional".Também a
assistente no processo Banco Espírito Santo SA (em liquidação) opôs-se à
pretensão dos arguidos suíços, contraponto, por exemplo, que, embora
estes aleguem com a questão da língua, o facto de terem requerido a
abertura de instrução “significa não só que compreenderam o que lhes é
imputado, tendo exercido a sua defesa".Na
decisão agora proferida, o TRL realça que o processo está "na fase
instrutória (…) com vista à submissão ou não dos arguidos a julgamento",
pelo que a transferência para a Suíça “goraria o sucesso” das
diligências e “inviabilizaria a produção de prova em fase de julgamento
(…) vislumbrando-se o sério risco de uma duplicação de produção de
prova".Desta forma, o TRL entendeu, na
linha de outras decisões já proferidas, que é manifesto o interesse na
apreciação conjunta da responsabilidade dos diferentes suspeitos e
arguidos, por forma a apurar o grau de participação de cada um,
minimizando "o risco de, pela separação do procedimento penal, cada um
daqueles sujeitos ou todos eles aligeirarem ou mesmo escamotearem a sua
participação e responsabilidade jurídico-penal no evento em causa,
frustrando ou perigando a pretensão punitiva do Estado português".Em conclusão, o TRL sufraga na íntegra o despacho do TCIC e mantém a decisão alvo de recurso dos arguidos suíços.O
caso BES/GES, considerado um dos maiores processos da história da
justiça portuguesa, agrega no processo principal mais de 240 inquéritos,
que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares
e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo
o Ministério Público (MP), cuja acusação contabilizou cerca de quatro
mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá
causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.