Regresso à escola essencial para combater desigualdades e proteger crianças em risco
30 de jun. de 2020, 15:38
— Lusa/AO online
Durante
o período de emergência a Comissão Nacional de Promoção de Direitos e
Proteção de Crianças e Jovens (CNPDPCJ) sinalizou cerca de 800 crianças,
através de uma ficha criada especificamente para o efeito e entregue
aos professores, como estando numa situação de perigo que aconselhava a
que tivessem aulas presenciais para garantir a sua proteção e os seus
direitos, disse hoje aos deputados a presidente da CNPDPCJ, Rosário
Farmhouse, numa audição requerida pelo PSD. “A
escola é fundamental, faz a diferença na vida destas crianças”, disse
Rosário Farmhouse, adiantando que a decisão de colocar estas crianças
nas escolas durante o período de confinamento, em conjunto com os filhos
dos trabalhadores essenciais “para evitar rótulos”, teve a ver com as
situações graves de perigo a que estavam sujeitas por estarem fechadas
em casa com as suas famílias, registando-se alguns casos de negligência
grave. Defendeu ainda que “é
importantíssimo” que no ensino à distância os professores peçam aos
alunos para ligar a câmara dos computadores, para melhor poderem
acompanhar o ambiente em que decorrem as aulas para as crianças e jovens
e sinalizar eventuais problemas.Questionada
pelos deputados sobre as consequências de um menor número ou mesmo
inexistência de acompanhamentos presenciais por parte das equipas
técnicas durante o período de emergência, Rosário Farmhouse recusou
impactos na proteção das crianças.“Tenho a
perceção que nenhuma criança ficou desprotegida. As comissões
reinventaram-se”, disse, acrescentando que nem a falta de equipamentos
de proteção individual na fase inicial da pandemia e do confinamento
levou a que houvesse visitas que ficassem por fazer. Catarina
Marcelino, do PS, defendeu que ter um sistema de proteção de menores
“assente na base de parceiros”, em formato de pirâmide, em que a
primeira linha de intervenção, correspondente a situações de risco e
ainda não de perigo depende de comunicações de escolas, ou familiares ou
vizinhos, deve ser repensado.“Isso tem
que nos fazer pensar no futuro, não podemos ter um sistema que coloque
crianças em risco”, disse depois da intervenção inicial da presidente da
CNPDPCJ, para depois voltar a insistir, já na audição seguinte, da
presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Dulce Rocha e da
coordenadora do Projeto Rua deste organismo, Matilde Sirgado, que na
educação “o desafio está no próximo ano letivo”.Sublinhando
que os impactos da pandemia nas crianças mais pobres é maior - uma
ideia constante e generalizada ao longo das duas audições -, Catarina
Marcelino referiu que a telescola foi uma solução positiva – “não digo
muito positiva, mas positiva” – afirmando ainda a dificuldade de obter
aproveitamento escolar com as dificuldades reportadas neste período.Diana
Ferreira, do PCP, frisou na audição a Dulce Rocha as “enormes
desigualdades no processo de aprendizagem”, depois de na audição
anterior ter afirmado que “com esta realidade é difícil fazer um
discernimento entre abandono escolar tipificado e as dificuldades de
aceder à escola neste momento”.Sandra
Cunha, do BE, apontou que as consequências da pandemia “são
particularmente devastadoras” para os direitos das crianças, que ficam
“todos em perigo”, da saúde à educação, da habitação à segurança,
sublinhando que a atuação ao nível da garantia de emprego e habitação
das famílias é o que permite assegurar o bem-estar das crianças.Matilde
Sirgado apresentou conclusões de um pequeno inquérito aplicado pelo IAC
a um conjunto de crianças acompanhadas pelo instituto em Lisboa, que
concretizam as preocupações genéricas com as consequências económicas e
sociais: muitas sem meios tecnológicos para acompanhar as aulas ou com
meios que não são os ideais, como o telemóvel, ao que acrescia a falta
de supervisão de pais ou familiares, maioritariamente com empregos
precários, que obrigam a sair cedo e regressar tarde a casa.“A
grande maioria, desistiu, porque ninguém os obrigava. A telescola foi o
meio possível, mas não conseguiu chegar a estas crianças. Decidiram não
ver e não viam. Não se identificavam com conteúdos como forma de
melhorar as suas aprendizagens. […] Temos que adequar algumas medidas e
políticas para que esta franja não fique de fora”, disse Matilde
Sirgado, que referiu ainda o aumento da fome e das carências básicas
junto destas famílias e crianças.“A
escola, a educação tem a função de elevador social. Estamos a notar que a
falta da escola vai ter esse efeito muito perverso de agravar
desigualdades. […] Verificámos muito que a pobreza se tornava agora mais
visível através das nossas crianças que não conseguiam aceder aos
instrumentos colocados. Pensava-se que estavam num nível superior,
verificou-se que não”, disse Dulce Rocha.Matilde
Sirgado defendeu ainda que é preciso projetos “de evidência (prova)
científica”, com o envolvimento de várias áreas, como sejam a educação e
a justiça, e não apenas “pequenas experiências ou ‘projetozinhos”
precários” para trazer para a educação e formação, até ao nível pessoal e
de cidadania, aqueles que “já fizeram um corte com a escola” e têm já
“um pezinho na marginalidade” da qual retiram rendimentos.“Estes jovens têm que aprender, num processo de reeducação alternativo, que existem formas de ganhar dinheiro lícitas”, disse.Sobre
os pedidos de ajuda recebidos pelo IAC durante o período de emergência,
Dulce Rocha, disse ser “muito interessante” que estejam em crescendo o
número de chamadas feitas pelos próprios menores, ao invés de familiares
e vizinhos, relatando preocupações com o que vivem em casa. Ainda sem
números concretos para apresentar, disse que “pressente” que possa haver
um número de casos de violência doméstica.Matilde
Sirgado disse que as equipas técnicas usaram ainda o número na rede
‘Whatsapp’ para “gerir a ansiedade em grupos”, trabalhando “numa
primeira fase relatos de medo dos jovens, inclusivamente de perder os
pais”. Agora já notam uma maior desvalorização da pandemia e de procura
dos amigos.Houve ainda um aumento
significativo nos pedidos de apoio jurídico, nomeadamente ao nível da
regulação das responsabilidades parentais.Rosário
Farmhouse disse que a linha específica para denúncias criada para o
período de confinamento recebeu já 121 chamadas, relativas a “algumas
situações de perigo, mas muitos pedidos de informação”.Ainda
sobre as questões das desigualdades sociais e impactos da pandemia,
Dulce Rocha não quis deixar de referir a situação no bairro da Jamaica,
no Seixal, distrito de Setúbal, onde as autoridades de saúde decretaram o
encerramento dos cafés devido a um surto, o que foi concretizado com o
apoio de um significativo dispositivo policial.“O
bairro da Jamaica não merecia ter sido prendado com os cafés todos
fechados. Porque fecharam ali e não noutros? Não percebo, ou então
percebo e não quero dizer. Acho incrível”, disse.