Redes de urgência para violência doméstica não estão no terreno três anos depois
24 de out. de 2022, 09:33
— Lusa/AO Online
A
medida foi aprovada em Conselho de Ministros em agosto de 2019,
juntamente com outras de prevenção e combate ao fenómeno da violência
doméstica, na sequência da criação de uma comissão técnica
multidisciplinar que deveria apresentar propostas no prazo de três
meses.O objetivo era agilizar a recolha e
tratamento de dados em matéria de homicídios e outras formas de
violência contra mulheres e violência doméstica, aperfeiçoar os
mecanismos de proteção da vítima nas 72 horas a seguir à apresentação de
queixa-crime e reforçar os modelos de formação.Especificamente
no que diz respeito ao aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção da
vítima nas 72 horas a seguir à apresentação de queixa-crime, a comissão
técnica, coordenada pelo procurador da República jubilado Rui do Carmo,
que é também coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídios
em Violência Doméstica (EARHVD), propôs a criação de redes de urgência
de intervenção (RUI), entre outras medidas.“Se
[a rede de urgência de intervenção] estivesse implementada, eu conhecia
seguramente, mas não está implementada e isso tenho a certeza
absoluta”, disse, à Lusa, Rui do Carmo.Primeiramente
em formato de projeto-piloto, estas redes serviriam para garantir uma
resposta 24 horas por dia às vítimas de violência doméstica, através de
“um modelo integrado de atuação urgente de âmbito territorial” que
envolveria operadores policiais, judiciários e membros das respostas e
estruturas da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica
(RNAVVD) e/ou dos Gabinetes de Apoio à Vítima (GAV), “em articulação com
as linhas telefónicas integradas no Serviço de Informação a Vítimas de
Violência Doméstica (SIVVD)”.“Só posso
dizer que não sei rigorosamente nada sobre isso e eu estou relativamente
bem informado. (…) Aquilo que hoje continuo a dizer é que esta decisão
do Conselho de Ministros não foi implementada e era urgente que fosse”,
acrescentou o responsável, recusando-se, no entanto a especular sobre
eventuais motivos para que os projetos-piloto ainda não tenham avançado.Contactado
pela Lusa, o gabinete da secretária de Estado da Igualdade e Migrações,
Isabel Rodrigues, afirmou que está “em desenvolvimento (…) o modelo de
funcionamento e a forma de operacionalizar a implementação dos
projetos-piloto ao nível da criação de redes de urgência de intervenção
que se encontram em fase de conclusão por parte das diversas entidades
envolvidas”.Rui do Carmo assumiu-se
surpreendido por estes projetos-piloto ainda não terem sido
implementados, até porque “foi uma das medidas que o Governo disse
expressamente que identificava como prioritárias”.“Penso
que continuam a ser um aspeto muito importante deste plano de ação
definido em 2019 e que deve ser encarado com urgência. Todos os dias
somos colocados perante a necessidade de existir este tipo de
intervenção”, garantiu.Também a Associação
Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) confirmou que estes projetos-piloto
não avançaram e que desconhece o ponto da situação.“A
APAV não tem conhecimento da implementação dos projetos-piloto da rede
de urgência de intervenção, enquanto organismo pertencente à RNAVVD
[Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica]”, disse, à
Lusa, Daniel Cotrim, assessor técnico da direção.De
acordo com Daniel Cotrim, “o funcionamento 24 horas não existe” e o que
existe atualmente é exatamente igual ao que havia no ano de 2019.A Lusa contactou também a PSP, a GNR e a Polícia Judiciária, mas não conseguiu esclarecimentos em tempo útil.Para
Rui do Carmo, a importância das redes de urgência de intervenção reside
sobretudo no facto de os dados estatísticos oficiais demonstrarem “que
uma boa parte destas ocorrências acontece (…) em horas e dias da semana
em que habitualmente os serviços não estão a funcionar”, como à noite,
ao fim do dia ou ao fim de semana.“Esta
rede serviria para, 24 horas por dia, poder ser acionada e poder ser uma
rede multidisciplinar e multifuncional, na medida em que englobava o
Ministério Público, os órgãos de policia criminal, as entidades
judiciárias, mas também a rede nacional de apoio às vítimas de violência
domestica e os serviços de apoio às vítimas que estão implantados no
terreno, o que permitia que pudesse acudir a qualquer altura do dia ou
em qualquer dia da semana a situações que fossem noticiadas e que
exigissem uma intervenção imediata”, explicou.Acrescentou
que o que tinha ficado decidido em 2019 era que “se ia trabalhar a
partir da resolução [de Conselho de Ministros] para definir em que sítio
é que se ia criar e a exata composição destas equipas”.Outra
das medidas que estava também prevista era a revisão do modelo de
avaliação de risco, mas, segundo o procurador jubilado, “está exatamente
no mesmo pé”.“Que eu saiba também não há nenhum avanço”, afirmou.Sobre
esta questão, o gabinete da secretária de Estado Isabel Rodrigues disse
que as necessárias “especificações técnicas (…) foram definidas pelas
entidades com responsabilidades neste domínio” e estão concluídas.“A revisão do instrumento está sujeita agora a um necessário processo de validação científica”, refere.Adianta
ainda que os trabalhos para a definição do regulamento de funcionamento
da Base de Dados de Violência contra as Mulheres e Violência Doméstica
(BDVMVD) e “o impulsionamento e acompanhamento dos trabalhos de
desenvolvimento inerentes à operacionalização” desta base de dados
“estão a prosseguir no contexto do Grupo de Trabalho” que foi
constituído para o efeito.“Após a
aprovação do regulamento de funcionamento, a BDVMVD irá rececionar dados
das entidades-fonte e começar a disponibilizar informação, nos termos e
com as finalidades previstas no art.º 37.º-A da Lei 112/2009, de 16 de
setembro, na sua redação atual”, conclui.