Redes sociais levam jovens a uma vida “brutalmente intensa”
17 de jun. de 2024, 10:31
— Lusa
“As experiências [nas redes
sociais] são negativas e positivas, tudo ao mesmo tempo. É como se fosse
o dia-a-dia das pessoas, mas ali. As pessoas podem ser assediadas ou
assediar fora da rede, mas ali tudo é muito mais imediato. Isso faz com
que, por um lado, as pessoas tenham uma grande tolerância, mas também há
o outro extremo, que é a ansiedade e stress” gerados, disse à agência
Lusa Inês Amaral.A docente da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) coordena juntamente com Rita
Basílio Simões o projeto de investigação MyGender, que começou em 2021 e
termina em agosto, debruçando-se sobre como os jovens adultos se
envolvem com os imaginários das aplicações móveis.O
inquérito realizado a uma amostra representativa de jovens portugueses
demonstra que a maioria associa as redes sociais a experiências
positivas, como criação de relações e afirmação de identidades, apesar
de também serem referidas experiências negativas, como o assédio, o
insulto (recebido e enviado) ou o medo daquilo que os outros acham.“As
redes sociais geram ansiedade, mas ao mesmo tempo são um espaço para
falar com os amigos, com os que conhecem e com aqueles que não conhecem.
Para desabafar”, aclarou, referindo que as comunidades digitais
acabaram por assumir os espaços intermediários entre “a casa e o
trabalho ou a casa e a escola e que desapareceram”.Para
a docente da FLUC, é uma forma de estar, de “viver de uma forma
brutalmente intensa em que parece que é tudo para ontem”, em que quer o
assédio ou o elogio são imediatos.No mesmo
telemóvel onde numa aplicação fica ansioso, encontra outra associada à
saúde mental. Também no mesmo dispositivo onde gasta várias horas
diárias em diferentes atividades pode encontrar uma aplicação para
monitorizar o tempo desperdiçado.Para além
do inquérito, o projeto incluiu entrevistas a jovens, grupos focais,
diários e análise das próprias aplicações, para tentar perceber quais os
usos por parte deste grupo etário de aplicações móveis.Nas
entrevistas, ficou percetível que os jovens se autocontrolam e
monitorizam a sua expressão digital, utilizando ferramentas de
privacidade e de segurança, sendo habitual terem “contas diferentes com
objetivos diferentes”, contou Inês Amaral.Já nos grupos focais, a investigadora notou que a internet é o primeiro recurso para qualquer dúvida.“Seja
no Youtube, Tiktok ou outras plataformas. Vão à procura de várias
coisas relacionadas com a sua vida, pode ser para cozinhar qualquer
coisa, para se maquilharem, para escolher produtos de higiene íntima,
para questões de saúde, académicas ou de causas sociais. Tudo está ali”,
referiu.A equipa do projeto contou ainda
com 16 jovens que fizeram um diário ao longo de um mês relacionado com a
utilização que faziam do telemóvel e das aplicações.“Percebemos
que têm noção plena da mercantilização dos dados por parte das
plataformas. Apesar da noção plena da intrusão da tecnologia e de uma
certa vigilância contínua, há uma aceitação prevalecente”, contou.Dos
diários, há relatos de uma pessoa que adormecia todos os dias a ver
vídeos curtos do Youtube e que, de manhã, a primeira coisa que fazia era
ver conteúdo no Tiktok, e uma jovem que “adormecia a fazer ‘scroll’
[numa aplicação]”, afirmava que já sabia o que iria ver no dia seguir,
por causa do seu padrão de consumo.Outro participante relatava que tinha gastado a sua folga no Tiktok.“Há comportamentos que roçam quase a adição e, nos diários, há quem diga: isto faz mal”, recorda Inês Amaral.No
projeto, a equipa de investigação identificou também movimentos e
tendências associados às práticas e usos de aplicações móveis e a
interação entre humanos e tecnologia.O
projeto, com base nessa análise e com os dados dos inquéritos, apresenta
vários cenários: a possibilidade de um extremar do individualismo
associado a uma cultura do bem-estar no digital, um ativismo no digital
que se assuma como uma espécie “de contra narrativa” face ao “controlo
tecnológico e datificação [transformação de vários aspetos da vida em
dados]”, a resistência ao digital que pode levar a lógicas de
“isolamento” e “autoexclusão”, e a normalização da invasão da
privacidade.O MyGender afirma-se como o
primeiro estudo em Portugal a investigar como os jovens adultos se
envolvem com a tecnicidade e os imaginários das aplicações móveis.