Racismo atira migrantes para "fim da fila" na procura de casa
22 de jun. de 2022, 11:54
— Lusa/AO Online
“Há mais casos
de pessoas refugiadas em Portugal não ucranianas que têm enfrentado
alguma rejeição de disponibilidade para o acolhimento, isto é, para sair
dos acolhimentos de emergência”, disse à Lusa o coordenador da PAR.As
declarações de André Costa Jorge surgem na sequência da denúncia feita
na terça-feira pela vereadora da câmara de Lisboa Laurinda Alves, que
revelou que há cerca de 60 jovens não ucranianos que permanecem no
centro de acolhimento de emergência, instalado num pavilhão desportivo
da Polícia Municipal, que continuam a aguardar por um alojamento
alternativo.“Temos
ali cerca de 60 jovens, rapazes, que vieram da Ucrânia, que não são
ucranianos nascidos na Ucrânia, mas estavam a estudar Medicina,
Finanças, Gestão, Arquitetura, Design, portanto chegaram cá e, porque
não são brancos, estão lá, ninguém os quer”, afirmou a vereadora dos
Direitos Humanos e Sociais.A
acusação de Laurinda Alves foi hoje corroborada pelo coordenador da
PAR, que afirmou que “estas pessoas em concreto ficam no fim da fila” e
“muitas vezes até são excluídas ou rejeitadas” e ai “manifestamente
deve-se a fatores a partir do preconceito e racismo”.A
sociedade portuguesa mobilizou-se para o acolhimento de ucranianos em
fuga da guerra, “por razões boas e menos boas. As razões menos boas têm a
ver com as pessoas acharem que estaríamos a acolher pessoas como nós,
ocidentais, brancas”, disse André Costa Jorge. “Quando
se lhes propõe que acolham pessoas refugiadas que veem da Ucrânia, mas
não são ucranianas algumas pessoas não aceitam, por razões que têm a ver
com preconceitos e até racismo, as pessoas não querem e estas pessoas
são preteridas”, disse. Situações
que, segundo o coordenador da PAR, se agravam quando faltam respostas
públicas de habitação. Em Portugal, o acesso à habitação é um problema
que afeta grande parte da sociedade e acaba por penalizar ainda mais os
migrantes. A
questão “deve ser olhada de uma forma muito séria por parte dos
responsáveis políticos e de toda a sociedade”, defendeu André costa
Jorge.O
coordenador da PAR recordou que as respostas de habitação têm sido
deixadas a cargo sobretudo da iniciativa da sociedade civil e criticou a
ausência de "uma resposta habitacional estruturada que permita que as
pessoas transitem de estrutura de acolhimento de emergência para
habitação autónoma”. Os
migrantes e refugiados que procuram uma casa no mercado de arrendamento
“são olhados com desconfiança. É muito difícil o senhorio proceder a
arrendamento a estas pessoas, porque não tem fiadores, não tendo as
condições de garantias que os senhorios exigem no mercado de
arrendamento comercial típico, as pessoas são preteridas. Ficam numa
situação muito, muito vulnerável. O problema da habitação é transversal à
sociedade, mas agudiza-se no caso dos migrantes e refugiados”.André
Costa Jorge referiu o caso de uma mulher ucraniana que já está a
trabalhar em Portugal mas não consegue um contrato de arrendamento e
disse ser “importante que o Governo e municípios criassem mecanismos,
porque os que existem não são suficientes, rápidos, ágeis e
desburocratizados para a habitação das pessoas refugiados”.Para
André Costa Jorge, “o problema não é de agora” e foi agudizado pelo
brutal aumento de pessoas que chegaram e ausência de um sistema que
consiga mobilizar as pessoas dos centros de acolhimento para a habitação
autónoma.“Não
foi desenhado nenhum programa semelhante de reinstalação para os
refugiados ucranianos. O Estado apenas criou mecanismos para as pessoas
se regularizarem rapidamente mas não criou um programa que permita
enquadrar as pessoas no tempo e dar apoio as organizações da sociedade
civil para apoiarem o acolhimento dos refugiados”, criticou.O
coordenador da PAR voltou a sublinhar que é preciso criar uma cultura
de não-discriminação em função da cor da pele, da religião ou da
orientação sexual: “As pessoas têm de ser olhadas enquanto pessoas”.