Rabo de Peixe enche-se de pescadores mas maioria da população cumpre confinamento
Covid-19
9 de abr. de 2020, 09:00
— Inês Linhares Dias/Lusa/AO
É
a freguesia mais populosa do concelho da Ribeira Grande, na costa norte
de São Miguel, e tem uma população muito jovem. Os censos mais
recentes, os de 2011, contam 8.866 habitantes, mas o presidente da Junta
de Freguesia de Rabo de Peixe, Jaime Vieira, diz que a vila soma já
mais de 9.000 pessoas, uma população superior a quatro ilhas (Corvos,
Flores, Santa Maria e Graciosa), em grande parte dependente das pescas.
É por isso que, em tempos de confinamento, é junto ao porto de pescas
que se encontram as maiores aglomerações de pessoas, todas homens.As
mulheres estão dispersas pela freguesia, a fazer fila junto aos
correios, às padarias ou nas mercearias, onde perguntam antes se podem
entrar. São as regras a que obriga o surto do novo coronavírus.Em
frente a uma casa de aprestos, Domingos Andrade mete anzóis às linhas
que hão de dar de comer a 10 pessoas da sua família, algumas das quais
se encontram, nesse momento, no mar.Está
ali porque “o Governo disse que podia trabalhar”, mas os últimos dias
têm sido passados a dar justificações: “Como está tudo junto… Dois,
três, quatro, cinco ali… A polícia está pouco a pouco ‘vocês vão para
casa’. Como é vão para casa? Quem é que vai sustentar a gente? A gente
tem de explicar a eles que está a trabalhar. Se não estiver a trabalhar,
eles mandam para casa”.Uma relação que
por vezes é conflituosa, confessa, adiantando que “já houve uma briga
para aquele lado dali”. Admite, porém, que “a polícia estava no seu
direito de mandar as pessoas para casa e o pessoal não quer ir”.Conflituosa
é também a relação entre alguns pescadores e a lota. No porto de
pescas, um pescador grita insultos dirigidos ao edifício da lota e acaba
por explicar que o problema é o camião que não aparece.“A
lota está trabalhando mal com a gente”, atira, desesperado porque tem
uma carga de lulas paradas no cais há uma hora e meia a apanhar sol e
precisa que o transporte chegue depressa, para pôr o pescado na lota de
Ponta Delgada antes do meio-dia, como ditam as novas regras.“'Está'
aí alguns 500 contos. Essa lula toda, está mais de 2.500 euros”,
afirma, acrescentando que o atraso do camião acontece “por causa dessa
doença que está para aí”.“Já há um mês que está assim”, lamenta.A
carrinha da lota chega antes que a Lusa consiga saber o seu nome, já
que o pescador se apressa a carregar as lulas, para seguirem a tempo
para Ponta Delgada.“Isto está complicando
muita coisa. Agora, no lugar de a gente pescar até às 12h30, está a
pescar até às 10h00, que é para embarcar, para chegar aqui antes do
meio-dia”, explica Fábio Andrade.O
pescador, que trabalha no barco do seu pai com mais dois irmãos e três
primos, lamenta que agora, “no lugar de ganhar mais um bocadinho”, se
arrecade menos, “porque ‘é’ menos horas”.Só
sai para trabalhar e a sua família, de seis pessoas, está a cumprir o
confinamento. Dentro do barco “é cada um nos seus cantos e cada um
desinfeta-se”, explica.Desde sábado
passado, as embarcações de pesca de São Miguel só podem acostar ou
descarregar no seu porto de armamento, depois de ter sido instituída uma
cerca sanitária que restringe a circulação entre os seis concelhos da
ilha.A medida causa constrangimentos,
conta Francisco Cabral: “Temos sorte que o vento está aqui da banda de
sul. Se amanhã está de norte, a gente se quiser ir para Ponta Delgada já
não pode”.Também em terra a cerca traz
incómodos, já que os pescadores “têm de comprar isca todos os dias”. Na
segunda-feira, a sua passagem foi barrada.Mas
o maior problema que enfrenta é a quebra na procura e nos preços, conta
o dono do barco: “Eu estou à pesca da lagosta agora, tenho vendido
lagosta a 50 euros na cidade, que isso é o primeiro mês de lagosta.
Penso eu que [agora] não chega a vender a 20 euros”.Com
a quebra na procura, “a família sofre, claro, principalmente nessa
pesca à lagosta”, em que o produto “tem de ser exportado, tem de se
vender a restaurantes”.“Já telefonei a
cinco ou seis, já lhes passei aviso. Eles têm razão, eles dizem ‘Oh,
Francisco, para que é que eu vou comprar isso? A quem é que eu vou
vender?’. Claro, os restaurantes estão todos fechados. Quem tem
hipóteses de comer lagosta, vai comer hoje, porque compra, mas amanhã já
não vai comprar, claro, porque não vai comer lagosta todos os dias,
'né'?”, comenta.O pescador diz que,
naquele momento, há muita gente nas ruas de Rabo de Peixe, porque é
preciso trabalhar. Porém, acrescenta, “tirando isso, daqui a pouco já
estão despachados”.Andando em direção a
terra, a afirmação de Francisco Cabral verifica-se: “os cafés estão
completamente fechados” e nas ruas circulam os homens que regressam do
trabalho e as mulheres que vão às compras.Numa
das mercearias da vila, Cláudia Moreira, funcionária da loja, conta
que, “no início, as pessoas pensavam que os minimercados e os
supermercados iam fechar e que ia faltar mercadoria”. “Como o governo
disse que isso não ia acontecer, então a gente tentou acalmar mais as
pessoas a dizer que não era necessário comprar em exagero”, prossegue.Com
o passar do tempo, as famílias foram-se adaptando às novas regras:
“Ainda se vê muita gente na rua, mas já se vê menos crianças. No início,
via-se muitas crianças na rua. Custou a entrar na cabeça, mas agora já
estão a cumprir”, conclui.