Quase metade dos teletrabalhadores sujeitos a vigilância e controlo ilegais pelas empresas
28 de mar. de 2023, 13:26
— Lusa/AO Online
De acordo
com as conclusões do estudo “Teletrabalho e os seus desafios na nova
conjuntura” - promovido pela União Geral de Trabalhadores (UGT) e
coordenado pelo professor do ISCTE-IUL e antigo secretário de Estado do
PS, Paulo Pedroso - “cerca de metade dos teletrabalhadores reportou que a
sua entidade empregadora adotou procedimentos ou soluções tecnológicas
de vigilância/controlo do tempo de trabalho e da atividade laboral que a
legislação em vigor considera inadmissíveis”.Assim,
46,5% indicou terem sido adotados procedimentos ou soluções
tecnológicas de vigilância mistos (alguns considerados “admissíveis” e
outros “inadmissíveis” de acordo com a legislação em vigor), enquanto
2,8% referiu a implementação de procedimentos contrários à lei.As
práticas apontadas como mais frequentes – e que não colidem com o
definido pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) - são o
envio periódico de ‘emails’ e/ou SMS e o recurso a ‘software’ de registo
do início e fim da atividade laboral e pausas, referidos por 71% e 38%
dos inquiridos, respetivamente.Contudo,
destaca o estudo, é “significativa a proporção de inquiridos que
reportam que lhes foi solicitada a manutenção da câmara de vídeo
permanentemente ligada [21%] e que dizem ter havido recurso a ‘software’
de captura de imagem do ambiente de trabalho [19%]”.Já
a utilização pelas empresas de ‘software’ de registo do início do
acesso a aplicações é referido por 34% dos inquiridos, seguido do
‘software’ de registo das páginas de Internet visitadas (29%),
‘software’ de localização do terminal em tempo real (24%) e ‘software’
de controlo e registo do tempo gasto em cada tarefa e das utilizações
dos dispositivos periféricos (ambos com 22%).O
estudo atribui o recurso a estes dispositivos pelas empresas ao
“aumento extraordinário do recurso ao teletrabalho, num contexto de
‘imposição”, durante a pandemia de covid-19, o que evidenciou a “falta
de preparação das entidades empregadoras”.Adicionalmente,
avança como possível explicação a “ausência de exemplos de soluções que
possam ser empregues”, assim como o facto de se tratar de “uma nova
realidade de trabalho para a maioria dos teletrabalhadores”.“Independentemente
dos fatores explicativos, dada a não admissibilidade destes
dispositivos e os riscos acrescidos da não proteção dos dados pessoais
dos trabalhadores e de violação da sua privacidade, fica evidente a
necessidade de maior clarificação e acompanhamento dos procedimentos de
vigilância/controlo do tempo de trabalho, quer no sentido de
salvaguardar os direitos dos trabalhadores, quer no sentido de se
possibilitar continuar a assegurar o acompanhamento e monitorização dos
tempos de trabalho”, sustenta.No estudo, o
perfil tipo dos trabalhadores com experiência de teletrabalho é
descrito como sendo “jovens, com habilitações escolares elevadas,
quadros médios ou superiores e do setor terciário, com funções de chefia
que desempenham preponderantemente tarefas intelectuais ou sociais”.“É
junto dos quadros superiores e profissionais liberais, seguidos dos
quadros médios, com habilitações superiores, mais jovens, que o
teletrabalho como forma de organizar o futuro se destaca, sendo uma
preferência para cerca de metade destes inquiridos, principalmente no
modelo híbrido. Por outro lado, junto dos trabalhadores mais velhos, com
habilitações escolares mais baixas, que são trabalhadores manuais ou
empregados dos serviços, o trabalho presencial é o modelo preferido”,
detalha.De acordo com os resultados do
inquérito, a modalidade de teletrabalho mais comum nos últimos dois anos
foi a de teletrabalho em regime exclusivo, seguindo-se o modelo
híbrido, com idas regulares (uma a duas vezes por semana) ao local de
trabalho, um perfil “provavelmente associado à existência de
teletrabalho obrigatório”.Após esse
período, uma parte dos então teletrabalhadores deixaram de estar em
teletrabalho e, entre os que estão agora em teletrabalho, o perfil
híbrido tornou-se predominante.No que diz
respeito à compensação dos custos adicionais com o teletrabalho, a
definição de um valor fixo de compensação mensal foi a modalidade mais
utilizada (52%), seguida do reembolso das despesas mediante a
apresentação de comprovativos documentais (31%).Do
inquérito resultou ainda que, “de um modo geral, a avaliação da
experiência de teletrabalho é muito positiva para mais de um quarto dos
teletrabalhadores e positiva para mais de metade”.Entre
os teletrabalhadores que estiveram em teletrabalho apenas durante a
pandemia é notório um “maior descontentamento” do que no universo dos
teletrabalhadores, sendo que, para um quarto destes teletrabalhadores, a
experiência foi negativa. Inversamente, é no seio de quem tem uma
experiência de teletrabalho anterior e posterior à pandemia que a
proporção de avaliações positivas é maior (88%).O
trabalho conclui ainda que, “mesmo no contexto da pandemia e da
imposição do teletrabalho, este permaneceu abaixo do seu potencial”: “O
teletrabalho praticamente não tinha expressão em Portugal antes da
pandemia e, depois desta, terá uma incidência inferior ao potencial, tal
como se verifica em outros países europeus”, refere.Como
exemplo, avança situações identificadas entre trabalhadores com
habilitações literárias superiores e quadros superiores ou profissionais
liberais, que realizam sempre ou quase sempre tarefas intelectuais, a
quem "a entidade empregadora/o chefe solicitou que ficasse no trabalho, o
que poderá estar associado a estilos tradicionais de gestão de comando e
controle e resistência das entidades empregadoras ao teletrabalho".Assim,
remata, “o teletrabalho, mesmo com a experiência do regime de
obrigatoriedade, que contribuiu para o aumento do recurso a esta
modalidade, continua a ser uma modalidade de trabalho significativa
apenas para um segmento específico de trabalhadores – profissões
altamente qualificadas, com habilitações literárias tendencialmente
superiores, existindo claramente uma fratura de atitudes”.Este
estudo teve por base 1.007 entrevistas presenciais, realizadas por 32
entrevistadores entre 23 de agosto e 11 de setembro de 2022.