PS e PSD coincidem na possibilidade de isolar doentes e aceder a metadados
Constituição
15 de nov. de 2022, 12:54
— Lusa/AO Online
O alargamento do acesso
universal, gratuito e obrigatório ao ensino secundário e a modernização
de alguma linguagem da lei fundamental são outros pontos semelhantes
dos dois projetos, embora o PS pretenda apenas alterar 20 artigos da
atual Constituição e o PSD mais de 70.Na
sexta-feira, terminou o prazo para apresentação de projetos de revisão
constitucional, desencadeado após a apresentação de um texto pelo Chega,
e todos os grupos parlamentares e dois deputados únicos entregaram
iniciativas, num total de oito diplomas, que serão agora discutidos e
votados numa comissão eventual a ser constituída.No
entanto, as alterações da Constituição só podem ser aprovadas por
maioria de dois terços dos deputados, o que, na atual composição
parlamentar, implica o voto favorável de PS e PSD.A
Lusa comparou os projetos dos dois maiores partidos, e quer PS quer PSD
tentam responder – com formulações semelhantes, mas não iguais – às
duas questões que o Presidente da República apontou como essenciais num
processo de revisão da lei fundamental: como permitir o acesso aos
metadados para efeitos de investigação judicial, depois de o Tribunal
Constitucional ter ‘chumbado’ a lei em vigor, e como decretar, com
segurança jurídica, confinamentos em caso de uma nova pandemia, ainda
que sem estado de emergência.No caso da
saúde, o PSD começa por adicionar às razões para decretar o estado de
sítio ou emergência uma “emergência de saúde pública”, com os
socialistas a manterem a atual formulação constitucional (que já inclui a
calamidade publica entre os motivos para esta forma de suspensão de
direitos).Ambos os partidos optam por
acrescentar no artigo que regula o direito à liberdade e segurança
(27.º) uma nova exceção às atuais que já permitem a privação da
liberdade.Os socialistas determinam que a
privação da liberdade possa decorrer também para "separação de pessoa
portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista
fundado receio de propagação de doença ou infeção graves, determinada
pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo
estritamente necessário, em caso de emergência de saúde pública, com
garantia de recurso urgente à autoridade judicial".O
PSD usa uma formulação diferente, mas com intenção semelhante:
“Confinamento ou internamento por razões de saúde pública de pessoa com
grave doença infetocontagiosa, pelo tempo estritamente necessário,
decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.Para
resolver o problema do acesso aos metadados das comunicações (entre os
quais se podem incluir informações como a origem, destino, data e hora,
tipo de equipamento e localização), o PSD opta por apenas introduzir uma
nova alínea no artigo sobre a inviolabilidade do domicílio e da
correspondência (34.º), determinando que “a lei pode autorizar o acesso
do sistema de informações da República aos dados de contexto resultantes
de telecomunicações, sujeito a decisão e controlo judiciais”. O
PS introduz mais alterações a este artigo, começando por acrescentar
uma nova alínea que determina que “a vigilância eletrónica do domicílio
só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e
segundo as formas previstos na lei”.Depois,
mantendo a proibição de “toda a ingerência das autoridades públicas na
correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação,
salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”,
introduz uma exceção a este princípio geral: “O acesso, mediante
autorização judicial, pelos serviços de informações a dados de base, de
tráfego e de localização de equipamento, bem como a sua conservação,
para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da
defesa nacional, da segurança interna de prevenção de atos de sabotagem,
espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e
criminalidade altamente organizada, nos termos a definir pela lei”.À
parte estas duas matérias, quer PS quer PSD introduzem algumas mudanças
na linguagem da Constituição substituindo, por exemplo, direitos do
homem por direitos humanos. Quanto à expressão atualmente usada
“cidadãos portadores de deficiência”, o PS quer mudá-la para “cidadãos
com deficiência” e o PSD para “pessoas com deficiência”.Ambos
os partidos acrescentam novas tarefas fundamentais ao Estado, mas não
coincidentes: o PS quer inserir neste artigo a erradicação da pobreza, a
defesa do ambiente ou os laços com as comunidades emigrantes, enquanto o
PSD acrescenta no artigo 9.º a promoção da “coesão e equidade entre
gerações”.Nos direitos dos trabalhadores,
há algumas preocupações semelhantes – o PSD quer incluir a proteção de
menores, o PS proibir "o trabalho infantil” –, mas os socialistas querem
ainda impedir um eventual corte de vencimentos."Os
salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei, incluindo a
salvaguarda do montante e condições de pagamento contratualmente
acordados", lê-se no texto do novo artigo proposto pelo PS.Na
saúde, os dois partidos mantêm que este direito é garantido por “um
serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as
condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”.Os
socialistas acrescentam no acesso universal a cuidados de saúde os de
medicina reprodutiva e paliativa (esta última também referida por PSD),
enquanto os sociais-democratas querem incluir na lei fundamental que o
direito à proteção à saúde só se faz “com o acesso universal e em tempo e
qualidade adequados aos cuidados de saúde necessários, aproveitando a
complementaridade com os serviços privados e social”.PS
e PSD mexem também no artigo sobre habitação, mas em sentidos
diferentes: os socialistas querem que fique na Constituição que cabe ao
Estado assegurar as suas bases e que a habitação económica e social tem
de ter uma “atribuição transparente e em condições de igualdade”, dando
especial proteção a jovens, cidadãos com deficiência, idosos, família
com menores, monoparentais ou numerosas, sem abrigo ou vítimas de
violência doméstica, entre outros.Já o PSD
quer incluir na Constituição a necessidade de aproveitar os imóveis
públicos devolutos e estimular a oferta privada e cooperativa de
habitação própria e arrendada, bem como determinar que “o Estado promove
o acesso a habitação própria e o mercado de arrendamento”.Ambos
fazem alterações ao artigo sobre ambiente, de forma a incluir
preocupações com a economia circular e alterações climáticas, mas o PS
quer ainda que fique inscrito que o acesso aos transportes públicos deve
ser acessível e tendencialmente gratuito, bem como incluir entre os
direitos na área ambiental a proteção do bem-estar animal, o acesso á
agua potável e o saneamento básico “a um custo socialmente aceitável".No
artigo sobre a família, o PS quer incluir entre as tarefas do Estado
medidas de prevenção e combate a violência doméstica e de género,
enquanto o PSD quer remover obstáculos à natalidade, proteção às
famílias numerosas e consagrar na Constituição o estatuto de cuidador
informal.Finalmente, no ensino parece
haver alguma margem de entendimento entre os dois partidos, já que quer
PS quer PSD querem consagrar na Constituição que, além do ensino básico,
também o ensino secundário deve ser universal, obrigatório e gratuito. Os
socialistas querem ainda atribuir estas três características ao ensino
pré-escolar, enquanto os sociais-democratas apontam que o Estado tem de
assegurar o acesso “universal e gratuito” às creches e educação
pré-escolar, e colocam no artigo seguinte (no qual o PS não mexe) a
necessidade de complementaridade com o ensino privado e cooperativo.As
semelhanças entre os dois projetos acabam no artigo 74.º da
Constituição, já que o PS não mexe na organização económica, no sistema
financeiro e fiscal, nem na organização do poder político ou dos
tribunais, várias áreas em que os sociais-democratas pretendem numerosas
mudanças.O secretário-geral do PS,
António Costa, já avisou que o partido vai recusar propostas de revisão
da Constituição sobre matérias institucionais, alegando que essa
discussão seria incompreensível para os cidadãos na atual conjuntura e
um desrespeito pelas autonomias regionais.