Protesto de "gente unida pelas Artes e Cultura" junta centenas à porta do parlamento
11 de jan. de 2023, 12:59
— Lusa/AO Online
Os
manifestantes, a maioria vestida de preto como era pedido pela
organização do “Protesto pelas Artes”, começaram a reunir-se no fundo
das escadarias do parlamento pelas 08h30.Cerca
de uma hora depois eram já algumas centenas, num protesto silencioso,
em que alguns empunhavam folhas de papel nas quais se liam frases como
“gente unida pelas Artes e Cultura”, “justiça para a Cultura” ou
“demissão Adão”, em referência ao ministro da Cultura, Pedro Adão e
Silva, que está a ser ouvido na comissão parlamentar de Cultura desde as
09h00.A primeira parte da audição do
ministro tem como tema os concursos do Programa de Apoio Sustentado
2023/2026 da Direção-Geral das Artes, que é também o ponto principal da
manifestação, como recordou à Lusa Ruy Malheiro, da Ação Cooperativista.“Além
das reivindicações constantes, de sempre que vimos para a rua – reforço
do Orçamento do Estado para a Cultura, de uma política pública de
Cultura que seja plural e eficaz –, neste caso em particular estamos a
reivindicar um reforço do Programa de Apoio Sustentado 2023/2026 na
modalidade bienal”, afirmou.Quando abriram
as candidaturas, em maio do ano passado, os seis concursos de apoio
sustentado tinham alocado um montante global de 81,3 milhões de euros. Em
setembro, o ministro da Cultura anunciou que esse valor aumentaria para
148 milhões de euros. No entanto, esse reforço abrangeu apenas a
modalidade quadrienal dos concursos.A
decisão, salientou Ruy Malheiro, “resultou numa catástrofe para as
estruturas que se candidataram a dois anos e que, neste momento, veem-se
na iminência de fechar a sua atividade”. “Estamos
a falar de centenas de postos de trabalho, de centenas de projetos que
ficam por concretizar, e de estruturas que não são propriamente
emergentes, muitas delas têm muitos anos de existência, com mérito
reconhecido, também por parte dos júris que avaliaram estas
candidaturas. Basta analisar as pontuações”, afirmou.Foi
sobretudo o facto de estarem em risco “centenas de postos de trabalho”
que levou o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e
dos Músicos – Cena-STE a marcar presença no protesto.“Naturalmente
estamos solidários com este protesto. Muitas vezes nestas estruturas o
posto de trabalho confunde-se com a própria estrutura, porque há muita
criação do próprio emprego e muita necessidade de inventar trabalho na
Cultura por causa da realidade que vivemos. Estamos a falar de mais de
uma centena de estruturas [que apesar de terem sido consideradas
elegíveis para apoio, não o irão receber por se terem esgotado as verbas
disponíveis], centenas de postos de trabalho”, alertou o dirigente do
Cena-STE Rui Galveias.O “Protesto pelas
Artes” reuniu profissionais de várias áreas, de atores a realizadores,
passando por bailarinos, coreógrafos, artistas plásticos ou curadores de
arte.Entre caras mais ou menos conhecidas
do público passaram pelo protesto atrizes, como Carla Galvão e Marina
Albuquerque, atores, como Raimundo Cosme e Nuno Lopes, a ‘performer’ e
criadora Raquel André, o guionista e ilustrador Pedro Vieira, o
realizador Marco Martins e as bailarinas e coreógrafas Vera Mantero e
Sofia Neuparth.Nuno Lopes, em declarações à Lusa, defendeu que “Portugal ainda tem um caminho longo por percorrer em relação à Cultura”.“Temos
um Governo que criou um Ministério da Cultura, e isso melhorou um
pouco. Mas todas as promessas que nos foram feitas ainda estão muito
longe de serem cumpridas”, lamentou, referindo em relação ao ponto
principal do protesto de hoje o desejo que as dotações dos apoios
bienais “cresçam nos próximos tempos e que exista uma medida que venha
suplantar essa falta”.Para Vera Mantero,
“o facto de o ministro ter reforçado os apoios aos quadrienais, mas não
aos bienais revela um desconhecimento do funcionamento do tecido
artístico” e “cria um desequilíbrio enorme” no mesmo.“São
estruturas mais jovens que se candidatam tendencialmente mais aos
bienais e isso cria um enorme desequilíbrio, porque não estamos a
investir no futuro, mas também a não apoiar estruturas muito estáveis,
que optam por se candidatar aos bienais”, disse, dando como exemplo o
seu caso.A estrutura que lidera, com cerca de 30 anos de existência, candidatou-se este ano, pela primeira vez, aos apoios quadrienais.Às
estruturas que ficaram de fora dos apoios bienais, o ministro da
Cultura sugeriu que se candidatem ao Programa de Apoio a Projetos, cujas
candidaturas estão abertas.A Pedro Adão e
Silva, Vera Mantero responde que “apoio pontual não é bienal, não dá a
mesma estabilidade, de que o ministro tanto fala”. “Isso
vai prejudicar os ainda mais jovens, que não estão integrados num plano
anual ou bienal, é um projeto pontual. Isso vai alterar ainda mais o
tecido artístico. É mais grave ainda na questão de alterar aqueles que
são o futuro. São literalmente os que estão a começar. [Pedro Adão e
Silva] está a prejudicar o futuro”, defendeu.Sofia
Neuparth reforçou o alerta deixado pelos representantes dos
trabalhadores: “É absolutamente urgente haver uma política cultural que
entenda o trabalho que temos estado a fazer, a importância da
diversidade das culturas. Às tantas é como as monoculturas, se só há
determinado tipo de estruturas não há dinâmica, não há vitalidade no
tecido”.A coreógrafa também salientou que
“a especificidade dos quadrienais, dos bienais e dos pontuais [agora
apoio a projetos] é diversa”. “Os pontuais
só vão financiar, por causa dos atrasos, projetos que comecem em junho,
como é que uma estrutura se vai candidatar a pontuais, roubando o
pouquíssimo espaço que existe para os indivíduos, se só vai começar a
receber financiamento, se for financiada, em junho? O que é que faz às
pessoas que trabalham lá? Diz ‘olha esperem lá, não comam, vão viver
para a rua seis meses’. É falta de noção e é injusto para os pontuais,
muito injusto, não resolver esta situação. São dois terços das
estruturas que vão ficar sem financiamento. Houve aqui alguém que se
enganou, como diz o nosso amigo”. afirmou.