Projeto “Mulheres do Mar” junta centenas de cuidadoras dos oceanos
29 de set. de 2024, 09:28
— Lusa
Porquê
só mulheres? “Porque nós acreditamos que as mulheres são cuidadoras por
natureza”, respondeu à Lusa Raquel Clemente Martins, uma das sete
mulheres do “núcleo duro” da iniciativa. E é do mar que fala, dos
cuidados que precisa.“Nos últimos anos a
degradação dos oceanos e a apatia, principalmente a apatia e a
hipocrisia das pessoas perante este problema, levou-nos a pensar que era
importante criar um produto de comunicação que pudesse fazer a ponte
entre os alertas da comunidade científica e a população em geral”,
explicou, na semana em que se assinala o Dia Mundial do Mar (26 de
setembro).Inserida na Década do Oceano,
proclamada pelas Nações Unidas e que vai até 2030, a iniciativa
centra-se em dois dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), o
5, de alcançar a igualdade de género e empoderar as mulheres e
raparigas, e o 14, de conservar e usar de forma sustentável os oceanos,
mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. No
início do próximo ano estará pronto para ser exibido o primeiro
documentário, só com mulheres dos Açores, mas o projeto contempla já
mais de 600 “mulheres do mar”, tendo sido este ano reconhecido pela
UNESCO, o que o internacionalizou. “Só
nos Açores já gravamos 46 mulheres e vamos agora, no próximo mês, gravar
com pelo menos mais 16”, contou Raquel Clemente Martins.Tudo
começou, disse, quando foi contactada para um projeto para televisão
chamado “Senhoras do Mar”, que seria sobre uma dúzia de “mulheres
extraordinárias, que tinham quebrado barreiras. Raquel Martins é
realizadora e fundou há 16 anos a “Help Images”, uma organização
não-governamental que cria produtos de comunicação, histórias de
sucesso, para entidades sem fins lucrativos.As
“senhoras do mar” acabaram por não se concretizar mas na cabeça da
responsável ficou a ideia das “mulheres do mar”, “não pessoas
extraordinárias mas pessoas comuns”, “mulheres normais que falem de
coisas que os outros entendam”. Até agora já foram filmadas 66 das 600 mulheres que aceitaram fazer parte do grupo. Não
têm de gostar do mar, há algumas que têm medo da água, que acham que o
mar sabe a lágrimas, disse Raquel Martins, acrescentando que é
importante mostrar as diferenças, ainda que todas, mas todas, comunguem
da mesma preocupação em relação ao estado dos oceanos.As
nossas mulheres, explicou, “não precisam de ser especialistas” em mar,
não têm de ser pescadoras, peixeiras ou biólogas, mas têm uma visão do
mar, da economia azul, da parte social. Queremos que estes depoimentos
tenham muita força junto do poder político, porque precisamos de o
sensibilizar para a ação em prol da preservação o oceano”.Entusiasmada
na explicação, Raquel Martins adiantou: “Esse é um dos objetivos
principais, mas um outro, um objetivo muito especial para todas as
mulheres, é criarmos um legado que possa inspirar as próximas gerações, é
um legado emocional, com provas científicas, que promovem um equilíbrio
consciente e duradouro entre a natureza e todos os habitantes do
planeta”. Para a realizadora, o importante é recuperar esse equilíbrio
perdido no último século.De partida para
os Açores, para concluir as entrevistas nas ilhas que faltam, Santa
Maria, Flores e Corvo, Raquel disse que o documentário Mulheres do
Mar-Açores, o primeiro, de pelo menos três, um do continente e outro
internacional, vai ser divulgado quando espera ter também já pronto um
“hub digital” que reúna as entrevistas na integra. “O
foco é sempre, sempre, o papel das mulheres e a preservação dos
oceanos”, sublinhou, recordando algumas delas que já entrevistou, a
Suzete, uma ex-guarda florestal que sempre quis, e conseguiu, ser
faroleira, para ter contacto com o mar. Mas
também Lurdes Batista, uma octogenária de S. Miguel, a primeira mulher a
ir para o mar pescar em Rabo de Peixe, ou a bióloga marinha Gisela, que
paga a investigação transportando turistas para observação de baleias,
ou mesmo a arquiteta Nieta, que recolhe lixo do mar e faz produtos para
construção. Com a distinção da UNESCO a
procura de mulheres alargou-se. Raquel fala também da mulher que comprou
um farol na Noruega, de mulheres do mar no Líbano, em Cabo Verde, em
França, Espanha ou Inglaterra.“Tento que
isto não saia de controlo”, observou, explicando que é preciso
financiamento, e que sonha chegar a 2030 com um mapa cheio de luzes pelo
mundo inteiro, cada uma representado uma mulher do mar, ligada a todas
as outras, com o seu testemunho de preservação dos oceanos, de como
cuida do mar.“Ser mulher do mar é ter
obrigação de cuidar do mar e de sensibilizar, de dar a conhecer os
problemas e também do bom que é estar no mar”.